Bruno Oliveira Castro Cristiano Imhof

LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA INTERPRETADO

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TJMG. Princípios fundamentais da Lei n. 11.101/2005

Data: 27/06/2013

Na expressão do Senador Ramez Tebet, são estes os princípios fundamentais da legislação falimentar brasileira: 1. Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis, como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros. 2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens e serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes. 3. Recuperação das sociedade e empresários recuperáveis: sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial. 4. Retirada do mercado de sociedades e empresários não recuperáveis: caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com dificuldades insanáveis na condução do negócio. 5. Proteção aos trabalhadores: os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservam também seus empregos e criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados. 6. Redução do custo do crédito no Brasil: é necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação de recursos financeiros, a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico. 7. Celeridade e eficiência dos processos judiciais: é preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso. 8. Segurança jurídica: deve-se conferir às normas relativas à falência, à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento da empresa e de suas contrapartes. 9. Participação ativa dos credores: é desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida. 10. Maximização dos valores dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores da sociedade e empresários insolventes, que têm por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco geral das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral. 11. Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: a recuperação das micro e pequenas empresas não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar o acesso dessas empresas à recuperação. 12. Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial: é preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição rigorosa aos atos fraudulentos para induzir credores ou o juízo a erro" (in Curso de Falência e Recuperação de Empresa, 26ª Ed., Saraiva, 2012, p. 33/35)

Íntegra do v. acórdão:

Acórdão: Agravo de Instrumento n. 1.0126.12.000941-3/001, de Capinópolis.
Relator: Des. Márcia de Paoli Balbino.
Data da decisão: 02.08.2012.

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA C/C DESPEJO E COBRANÇA - EMPRESA RÉ EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL - VIS ATTRACTIVA - NÃO VERIFICAÇÃO - DEMANDA POR CRÉDITO ILÍQUIDO - PRAZO DE SUSPENSÃO DA AÇÃO DE 180 DIAS - "BLINDAGEM" - TRANSCURSO - FORO DE ELEIÇÃO - VALIDADE - RECURSO PROVIDO. - O juízo de recuperação judicial não é competente para processar e julgar ação que possui pedido ilíquido, não se aplicando a regra da vis attractiva. - O deferimento de recuperação judicial enseja a suspensão das ações e execuções propostas quanto a direitos líquidos contra a recuperanda pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, conhecida como "pedido de blindagem", que é improrrogável. - É válida a cláusula de eleição de foro constante do contrato firmado entre as partes. - Recurso provido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO CV Nº 1.0126.12.000941-3/001 - COMARCA DE CAPINÓPOLIS - AGRAVANTE(S): DENIS ANDRADE DE FREITAS E OUTRO(A)(S), SIMONE FRANCO BERNARDES ANDRADE DE FREITAS - AGRAVADO(A)(S): LAGINHA AGRO INDUSTRIAL S/A

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DESA. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO

RELATORA.

DESA. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO (RELATORA)

VOTO

Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por Denis Andrade de Freitas e Simone Franco Bernardes Andrade de Freitas nos autos da ação de rescisão de contrato de parceria agrícola c/c despejo e cobrança, que os agravantes ajuizaram contra a agravada, em decorrência da decisão de f. 24/27-TJ que declinou da competência para o Juízo da Vara do 1º Ofício de Coruripe/AL, em que tramita a recuperação judicial da agravada.

Os agravantes discordam da decisão e em seu recurso sustentam que o crédito por eles pleiteado teve vencimento após o pedido de recuperação judicial, não havendo se falar em juízo universal e nem em vis attractiva; que a área de terreno dada em parceria agrícola, pertencente a eles, não faz parte do ativo da recuperanda; que o contrato celebrado entre as partes contém cláusula de eleição de foro, devendo a ação prosseguir no foro eleito pelas partes; que é juridicamente possível a rescisão do contrato, vez que a agravada está em mora; que estão presentes os requisitos para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Requereram fosse deferido efeito suspensivo ao recurso e que este fosse provido para reformar a decisão agravada.

Ao recurso foi atribuído efeito suspensivo (f. 61-TJ).

O MM. Juiz informou que manteve a decisão agravada e que os agravantes cumpriram o disposto no art. 526 do CPC (f. 67/68-TJ).

A Procuradoria Geral de Justiça informou que a presente ação não desafia a intervenção ministerial (f. 71)

A agravada não apresentou contraminuta.

É o relatório.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE:

Conheço do recurso porque tempestivo, próprio e por ter contado com preparo regular.

PRELIMINAR:

Não há preliminares a serem apreciadas no presente recurso.

MÉRITO:

Os agravantes ajuizaram uma ação de rescisão de contrato de parceria agrícola c/c despejo e cobrança contra a agravada (f. 30/39-TJ), requerendo fosse rescindido o contrato de parceria agrícola celebrado entre as partes e aditivos, cuja cópia se encontra às f. 40/47-TJ, o despejo da ré e a condenação desta no pagamento dos valores devidos.

O MM. Juiz, conforme decisão de f. 24/27-TJ, declinou da competência para o Juízo da Vara do 1º Ofício de Coruripe/AL, por entender que a ré, ora agravada, está em recuperação judicial, sendo que as ações posteriores sofrem os efeitos da vis attractiva do Juízo Empresarial.

Os agravantes alegam, no recurso, que o crédito pleiteado é posterior ao pedido de recuperação judicial, não sofrendo os efeitos da vis attractiva, sendo que a área objeto do contrato sequer faz parte do ativo da ré. Afirmam, ainda, que deve ser observada a cláusula de eleição de foro constante do contrato celebrado entre as partes.

Os agravantes requereram (f. 22-TJ):

"(...), prover este agravo de instrumento, cassando-se a decisão agravada, para o fim de declarar a competência para o conhecimento e processamento da presente ação da Vara Única da comarca de Capinópolis MG."

Tenho que assiste razão aos agravantes.

Com a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, nova lei de falência, houve uma significativa alteração do direito concursal pátrio, visando precipuamente, a conservação da empresa, como se depreende de seu art. 47:

"Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica."

Sobre o tema leciona Amador Paes de Almeida:

"A atual legislação falimentar traz sensíveis inovações, tendo como princípio fundamental a recuperação econômica da empresa "a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica", como enfatiza o art. 47 da lei nominada.

Na expressão do Senador Ramez Tebet, são estes os princípios fundamentais da legislação falimentar brasileira:

1. Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis, como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros.

2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens e serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes.

3. Recuperação das sociedade e empresários recuperáveis: sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial.

4. Retirada do mercado de sociedades e empresários não recuperáveis: caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com dificuldades insanáveis na condução do negócio.

5. Proteção aos trabalhadores: os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservam também seus empregos e criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados.

6. Redução do custo do crédito no Brasil: é necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação de recursos financeiros, a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico.

7. Celeridade e eficiência dos processos judiciais: é preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso.

8. Segurança jurídica: deve-se conferir às normas relativas à falência, à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiploas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento da empresa e de suas contrapartes.

9. Participação ativa dos credores: é desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou malseveração dos recursos da empresa ou da massa falida.

10. Maximização dos valores dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores da sociedade e empresários insolventes, que têm por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco geral das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral.

11. Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: a recuperação das micro e pequenas empresas não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar o acesso dessas empresas à recuperação.

12. Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial: é preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição rigorosa aos atos fraudulentos para induzir credores ou o juízo a erro." (in Curso de Falência e Recuperação de Empresa, 26ª Ed., Saraiva, 2012, p. 33/35).

No presente caso, a ré, ora agravada, encontra-se em processo de recuperação judicial perante o Juízo da Vara do 1º Ofício de Coruripe/AL, não constando dos autos maiores informações sobre o processo.

Pois bem. Nos termos do art. 6º, caput e §4º da Lei 11.101/2005 em casos de deferimento de processamento da recuperação judicial, há suspensão de todas as ações e execuções contra a sociedade empresária devedora e contra o sócio solidário:

"Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

(...).

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

(...)."

Sobre o tema leciona Mauro Rodrigues Penteado:

"Deferido o processamento da recuperação judicial, ou decretada a falência do devedor, todas as ações e execuções individuais sofrem a força atrativa do juízo, que as suspende por tempo certo, exigindo que a ele compareçam os credores para habilitar seus créditos (art. 7º, §1º). No primeiro caso, apenas relativamente, porque todas as ações contra o devedor que requer a recuperação ficam suspensas, pelo prazo de 180 dias - findo o qual ressurge o "direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial" (art. 6º, caput e §4º). Na falência a ordem de suspensão é mais ampla (art. 99, v), pois perdura durante todo o processo da execução coletiva." (in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Lei 11.101/2005 - Artigo por artigo, Coord. Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, 2ª Ed., RT, São Paulo - SP, 2008, p. 135).

Contudo, o §1º do dispositivo supra mencionado excepciona as ações em que o credor demandar dívida ilíquida:

"§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida."

Sobre tal tema ainda leciona Mauro Rodrigues Penteado:

"A suspensão do curso de ações e execuções individuais não alcança as demandas que versarem sobre quantia ilíquida, que terão prosseguimento no juízo perante o qual estiverem sendo processadas. A norma, que já constava do Dec.-lei 7.661/1945 (art. 24, §2º), tem aplicação diferenciada em ambos os procedimentos: na recuperação judicial, tais ações prosseguem com o próprio devedor, que não é afastado de suas atividades, mas passa a exercê-las sob a fiscalização do administrador judicial (art. 22, II, a); na falência, prosseguem com o administrador judicial, que, para tanto, deverá ser intimado, sob pena de nulidade do processo (art. 76, parágrafo único).

É desnecessário reiterar o que já foi dito acerca da ratio essendi do ditado legal, em última análise voltado à economia processual e à natureza do juízo universal, que é procedimento de execução coletiva, na falência, ou de quantificação de valores líquidos que oneram o patrimônio do devedor, na recuperação judicial, a fim de que possa ser avaliada a viabilidade do respectivo plano, tendo em mira sua concessão. Lógica, portanto, a solução de manter as ações no juízo de origem, até que sejam apurados os créditos devidos, para inclusão no Quadro-Geral de Credores.

Nesse entretempo, porém, é ressalvado ao credor pleitear ao juízo singular, perante o qual tramita a ação, que "determine", se este não o fizer de ofício, ao juízo universal, a reserva de importância estimada do valor do crédito, o que, na recuperação judicial, contribuirá para melhor definir o passivo do devedor, no Plano de Recuperação, além de, como se dá na falência, preservar os direitos daquele que litiga em juízo próprio, no Quadro-Geral de Credores, segundo a classificação do art. 83." (in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Lei 11.101/2005 - Artigo por artigo, Coord. Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, 2ª Ed., RT, São Paulo - SP, 2008, p. 138).

Da análise da inicial (f. 30/39-TJ), depreende-se que os agravantes pleiteiam a rescisão do contrato de parceria agrícola firmado com a agravada, o despejo e, ainda, o recebimento de valores relativos ao contrato que sustentam ter sido inadimplido pela ora agravada.

Já do aditamento ao contrato celebrado entre as partes (f. 20/21-TJ) depreende-se que os ora agravantes faziam jus a 60 (sessenta toneladas) de cana-de-açúcar por cada alqueire plantado e que o preço seria o praticado pelo mercado:

"CLÁUSULA PRIMEIRA: (COTA FIXA)

Fica pactuado que, independentemente da colheita que for obtida na área dada em parceria, os PARCEIROS-OUTORGANTES terão direito a uma cota fixa na partilha dos frutos correspondentes a 60,00 (sessenta) toneladas de cana-de-açúcar por cada alqueire plantado da mencionada área, por safra (ou 12,39 toneladas por hectare), perfazendo uma renda anual de 2.365,00 (duas mil, trezentos e sessenta e cinco) toneladas de cana-de-açúcar, ressalvado o disposto na Cláusula Terceira deste instrumento.

CLÁUSULA SEGUNDA: (MOAGEM E PREÇO)

A parte dos frutos que cabe aos PARCEIROS-OUTORGANTES, conforme cláusula anterior, será sempre moída em seu nome em unidade fabril da PARCEIRA-OUTORGADA, ao preço vigente para a compra e venda de cana-de-açúcar na esteira, por ocasião do respectivo pagamento e dentro das condições de mercado então aplicáveis, pelo método Consecana para a região Centro-Sul do País."

Portanto, verifica-se que os valores a ser recebidos pelos agravantes estavam sujeitos a variações de mercado.

Contudo, não consta dos presentes autos quais foram os parâmetros utilizados pelos ora agravantes para aferir os valores mencionados na notificação de f. 48/49-TJ nos quais se fundamenta o pedido inicial de cobrança.

Demais disso, tal valor está sujeito a impugnação pela ora agravada em sede de contestação, em observância aos princípios da ampla defesa e contraditório.

Logo, não sendo de todo líquido o débito cobrado na presente ação ordinária, não há falar na vis attractiva entre a presente ação e a ação de recuperação judicial, como se depreende da doutrina supra transcrita.

Neste sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. O DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL NÃO OBSTA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE DESPEJO (DEMANDA ILÍQUIDA). DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO." (AgRg no CC 103.012/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 24/06/2010).

"RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO CONTRA A RECUPERANDA. QUANTIA ILÍQUIDA. PROSSEGUIMENTO. JUÍZO COMPETENTE.

1 - O juízo da recuperação judicial não é competente para a ação ordinária em que se postula quantia ilíquida contra a empresa recuperanda.

2 - Só há falar em juízo universal na recuperação para os créditos, líquidos e certos (leia-se classe de credores), devidamente habilitados no plano recuperatório e por ela abrangidos.

3 - Na recuperação não há quebra e extinção da empresa, pois continua ela existindo e executando todas as suas atividades, não fazendo sentido canalizar toda e qualquer ação da recuperanda ou contra ela para o juízo da recuperação.

4 - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 4ª de Campina Grande SJ/PB, suscitante." (CC 107395/PB, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/11/2009, DJe 23/11/2009).

"AÇÃO DE COBRANÇA CONTRATO A TERMO DE MOEDA SEM ENTREGA FÍSICA QUANTIA ILÍQUIDA DEVEDORA EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL JUÍZO COMPETENTE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA CONCESSÃO.

1. O deferimento do processamento da recuperação judicial não obsta o prosseguimento de ação em que se busca a fixação do montante devido, como é o caso da ação de cobrança." (AC 0192541-13.2007.8.26.0100, 21ª Câmara de Direito Privado/TJSP, j. 10/08/2011).

Portanto, é de se manter a presente ação no foro eleito contratualmente pelas partes, vez que não se verifica qualquer ilegalidade ou abusividade em tal eleição.

Neste sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. PRODUTO DE FORNECIMENTO EXCLUSIVO. ACÓRDÃO QUE AFASTOU CLÁUSULA DE ELEIÇÃO POR RECONHECER, A PARTIR DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS, A DIFICULDADE DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. APLICAÇÃO DE MULTA.

1. Nos termos da iterativa jurisprudência do STJ é válida a cláusula de eleição de foro mesmo em contrato de adesão, desde que inexistente hipossuficiência entre as partes ou dificuldade de acesso à justiça. (...)." (AgRg no Ag 1298322/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 16/04/2012).

"PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. CONTRATO DE EMPREITADA NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. INAPLICABILIDADE DO DIPLOMA CONSUMERISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. NATUREZA PESSOAL.

INAPLICABILIDADE DO ART. 95 DO CPC. CONTRATO DE PORTE EXPRESSIVO. AUSÊNCIA DE INFERIORIDADE INTELECTIVA E TÉCNICA NO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO. EMPRESA EM CONCORDATA PREVENTIVA. DEBILIDADE ECONÔMICA. DIFICULDADE DE ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO. REJEIÇÃO DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.

(...).

4. Não se acolhe a alegação de abusividade da cláusula de eleição de foro ao só argumento de tratar-se de contrato de adesão.

5. A cláusula que estipula eleição de foro em contrato de adesão é, em princípio, válida, desde que sejam verificadas a necessária liberdade para contratar (ausência de hipossuficiência) e a não inviabilização de acesso ao Poder Judiciário. Precedentes.

(...)." (REsp 1073962/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 13/06/2012).

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. FORO COMPETENTE. PREVALÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DA PARTE HIPOSSUFICIENTE SOBRE O FORO DE ELEIÇÃO PREVISTO NO CONTRATO. PRECEDENTES DESTA CORTE. DECISÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. Esta Corte consolidou entendimento de que é válida a cláusula de eleição de foro prevista em contrato de representação comercial, situação que é excepcionada se uma das partes for comprovadamente hipossuficiente.

2. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 1064697/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 08/03/2012).

Este entendimento também é adotado por esta Câmara:

"EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INAPLICABILIDADE - RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO CONFIGURADA - FORO DE ELEIÇÃO - RECURSO PROVIDO.

Pela natureza do objeto do contrato de prestação de serviços, a agravada não se enquadra na definição de consumidora, por não ser destinatária final dos produtos e serviços oferecidos pela agravante, os quais são insumos da sua atividade econômica, não podendo, assim, se valer da prerrogativa conferida pela Lei nº 8.078/90, devendo, então, ser obedecida a regra geral do CPC ou a cláusula de eleição do foro do contrato, se houver.

No caso dos autos, houve eleição do foro no contrato firmado entre as partes, tendo sido escolhido o da Comarca de Belo Horizonte/MG (f. 160-TJ). Em se tratando de competência territorial relativa, em princípio, há de prevalecer o foro eleito pelas partes.

Recurso provido." (Agravo de Instrumento Cv 1.0480.11.004691-3/001, Rel. Des.(a) Eduardo Mariné da Cunha, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/03/2012, publicação da súmula em 10/04/2012).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - FORO ELEIÇÃO - CONTRATO PRESTAÇÃO SERVIÇOS - PESSOA JURÍDICA - INAPLICABILIDADE DO CDC - AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE DE UMA DAS PARTES - DECISÃO REFORMADA

1) Não restando configurada a vulnerabilidade da empresa contratante do serviço de consultoria, em especial quando tal serviço vem implementar sua atividade lucrativa, não há que se aplicar as normas protetivas consumeristas.

2) Prevalece a cláusula contratual de eleição de foro quando não demonstrada qualquer vulnerabilidade da empresa contratante.

3)Reformada a decisão para declarar competente o foro de eleição para processar e julgar a ação que discute o contrato celebrado entre as partes. (Agravo de Instrumento Cv 1.0024.10.106885-6/001, Rel. Des.(a) Leite Praça, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/03/2012, publicação da súmula em 10/04/2012).

"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - NULIDADE DE CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO - NÃO OCORRÊNCIA - CONFLITO CONHECIDO E ACOLHIDO.

- Não há nulidade em cláusula eletiva de foro, se a presunção mais fidedigna que se extrai dos autos é que o executado tinha domicílio que coincide com o que foi eleito na Cédula de Crédito Bancária Hipotecária objeto da ação de execução promovida.

(...)." (Conflito de Competência 1.0000.11.023173-5/000, Rel. Des.(a) Versiani Penna, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/07/2011, publicação da súmula em 04/10/2011).

Lado outro, verifica-se a partir da transcrição da decisão prolatada nos autos da recuperação judicial (f. 13/19-TJ), datada de 22/05/2012, que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão de todas as ações e execuções contra a sociedade empresária devedora e contra o sócio solidário, previsto no §4º do art. 6º da Lei 11.101/05, já transcorreu:

"Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

(...).

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

(...)."

Sobre o tema, consta da doutrina:

1)"Suspendem-se as execuções individuais contra o empresário individual ou sociedade empresária que requereu a recuperação judicial para que eles tenham fôlego necessário para atingir o objetivo pretendido da reorganização da empresa. A recuperação judicial não é execução concursal e, por isso, não se sobrepõe às execuções individuais em curso. A suspensão, aqui, tem fundamento diferente. Se as execuções continuassem, o devedor poderia ver frustrados os objetivos da recuperação judicial, em prejuízo, em última análise, da comunhão dos credores.

Por isso, a lei fixa um prazo para a suspensão das execuções individuais operada pelo despacho de processamento da recuperação judicial: 180 dias. Se, durante esse prazo, alcança-se um plano de recuperação judicial, abrem-se duas alternativas: o crédito em execução individual teve suas condições de exigibilidade alterada ou mantidas. Nesse último caso, a execução individual prossegue." (Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 3ª ed., São Paulo:Saraiva, 2005, p. 39)

2)O deferimento do processamento de recuperação judicial, tal como ocorre com a falência, suspende o curso de todas as ações e execuções em face do devedor (art. 6º), exceto, como já se observou, as execuções fiscais.

Tal suspensão, todavia, como acentua o art. 6º §4º, não excederá o prazo de cento e oitenta dias, contados do deferimento do pedido de recuperação - "restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial."(Amador Paes de Almeida, 22ª ed., São Paulo:Saraiva, 2006, p. 321)

Portanto, não cabia a declinação da competência para AL.

DISPOSITIVO:

Assim sendo, dou provimento ao recurso, para cassar a decisão agravada e determinar o prosseguimento do feito na comarca de Capinópolis.

Custas pela agravada.

DES. LEITE PRAÇA - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUCIANO PINTO - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "RECURSO PROVIDO"

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