Bruno Oliveira Castro Cristiano Imhof

LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA INTERPRETADO

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TJSC. Art. 130 da Lei n. 11.101/2005. Interpretação

Data: 14/06/2011

Explica a doutrina, comentando o dispositivo atual: Aqui é irrelevante a época em que o ato foi praticado, próxima ou distante da decretação da falência, bastando para sua ineficácia perante a massa a demonstração de que o falido e o terceiro contratante agiram com fraude. Independentemente da época em que o ato foi realizado, se ele objetivou fraudar credores ou a finalidade da execução coletiva, não produzirá seus efeitos perante a massa (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de Direito Comercial. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 353).

Íntegra do acórdão

Apelação Cível n. 2008.026181-5, de Curitibanos.
Relator: Des. José Inácio Schaefer.
Data da decisão: 17.05.2011.

EMENTA: REVOCATÓRIA. Decadência. Publicação de aviso para realização do ativo e pagamento do passivo ausente. Início do prazo sobrestado. Cerceamento de defesa. Prova oral irrelevante para solução da causa. Preclusão, ademais, para apresentação do rol de testemunhas. Preliminares rejeitadas. Concordata preventiva convertida em falência. Sala comercial transferida ao contador da falida que confessou intento de resguardar pretensos créditos. Ato revogado na sentença. Promessa de compra e venda quatro meses antes da concordata preventiva. Simulação em prejuízo dos credores da massa. Princípio do livre convencimento motivado. Recurso desprovido. Prazo decadencial para propositura de revocatória não inicia enquanto o aviso do ativo realizado e do passivo pago não é publicado. Promessa de compra e venda de imóvel ao contador da falida, conhecedor da crítica situação financeira desta, firmado parcos meses antes da concordata preventiva posteriormente convolada em falência, foi revogada, pois caracterizado conluio fraudulento em prejuízo aos credores da massa.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.026181-5, da comarca de Curitibanos (2ª Vara Cível), em que são apelantes José Antonio Dondé e outro, e apelada Massa Falida da Empresa Binder Projetos e Construções Ltda:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Comercial, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao apelo. Custas legais.

RELATÓRIO
José Antônio Dondé e Marli Leal Dondé apelaram da sentença que julgou procedente ação revocatória movida pela Massa Falida da Empresa Binder Projetos e Construções Ltda., pedindo, em preliminar, exame do agravo retido, bem como arguiram cerceamento de defesa. No mérito, requereram o provimento do apelo ao argumento de falta de prova da fraude ou simulação em que se louvou a sentença (fls. 1.330/1.341).
O recurso foi recebido (fl. 1.330) e a apelada pediu o improvimento do reclamo nas contrarrazões (fls. 1.345/1.356).

Distribuído o apelo originalmente à Terceira Câmara de Direito Civil, esta declinou da competência para julgá-lo em face da matéria nele versada (fls. 1.361/1.366).
O Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira opinou pela manutenção da sentença (fls. 1.373/1.383).

VOTO
O agravo retido insiste no acolhimento da preliminar de decadência arguida na contestação, mas rejeitada no despacho de saneamento com a motivação seguinte:
Não se opera a decadência, tendo em vista que a fluência do prazo, que inicia com a publicação do aviso de realização do ativo, nos termos do art. 56, § 1º, da LF, ainda não tem curso.
O processo tem trâmite mais delongado em face de suas peculiariedades que o diferencia de outros feitos similares. Ainda estão pendentes definições para a formação do Quadro Geral de Credores, de sorte que não se atribui simplesmente do Síndico a situação (fl. 97).
Sustentam os agravantes que mais de cinco anos transcorreram da decretação da quebra, sendo que a inocorrência do aviso de liquidação teria decorrido de omissão do síndico.
A lei vigente à época dos fatos dispunha:
A ação revocatória correrá perante o juiz da falência e terá curso ordinário.
A ação somente poderá ser proposta até um ano, a contar da data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo. (art. 56, caput e §1º, do Decreto-Lei n. 7.661/1945)
Com efeito, o aviso do ativo realizado e do passivo pago não foi publicado como determina o art. 114 do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Por essa razão, o prazo decadencial nem sequer iniciou seu curso, como assentou a decisão recorrida. Na mesma esteira:
[...] DECADÊNCIA. PUBLICAÇÃO DO AVISO DO ARTIGO 114 DO DECRETO-LEI 7.661/45 NÃO REALIZADA. TERMO INICIAL DO PRAZO NÃO VERIFICADO. AGRAVOS RETIDOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (Apelação Cível n. 2007.020701-6, de Curitibanos,Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil, j. em 3-11-2008)
Portanto, o agravo retido é rejeitado.
Quanto à preliminar de cerceamento de defesa, os apelantes sustentaram ter sido negada a oitiva das testemunhas arroladas, através das quais pretendiam demonstrar que os cheques emitidos foram efetivamente recebidos pelo representante legal da falida, o qual teria se valido destes para adimplir verbas salariais de funcionários da empresa (fls. 1.335/1.336). A prova foi indeferida, ante a juntada intempestiva do referido rol (fls. 1.321/1.322).

Designada audiência de instrução de julgamento para 13 de novembro de 2006 (fl. 97), incumbia às partes indicar as testemunhas que pretendiam ouvir até dez dias antes dessa data, nos termos do art. 407 do Código de Processo Civil. Contudo, na falta de requerimento de inquirição ou da vinda do rol, foram tomados apenas os depoimentos pessoais do suplicado e do representante da empresa (fls. 111/113). Na ocasião, ainda, os ora apelantes requereram a expedição de ofício ao Banco Santander, para que fossem remetidas cópias dos cheques acima citados. Nada referiram, todavia, acerca de produção de prova oral, motivo por que se operou a preclusão.
Ainda que assim não fosse, o objeto da demanda é anulação de venda simulada de imóvel com vistas a saldar pretensa dívida com o primeiro apelante, em prejuízo aos credores da massa. Portanto, a existência dos aludidos créditos salariais é irrelevante, porquanto em nada contribui para descaracterização da fraude. Logo, tampouco prospera a preliminar em comento.

No mérito, a sentença revogou compromisso de compra e venda da sala nº 04 do 4º pavimento do Edifício Alessandra Daniela, incorporado no imóvel de matrícula nº 13.381, em Curitibanos, com data de 17 de outubro de 1998 (fls. 14/17), e determinou o retorno do bem ao acervo da massa falida, com base no art. 53 do Decreto-Lei n. 7.661/45 (antiga Lei de Falências). Assim concluiu,por entender suficientemente caracterizada a fraude contra credores, apoiada sinteticamente no seguinte: a) indemonstrado o dispêndio dos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) informados no contrato como pagos à vista; b) ausente prova de débitos relativos a honorários profissionais do primeiro apelante, cuja quitação, conforme alegado na contestação, serviu de pagamento parcial do negócio; c) silêncio do adquirente durante seis anos, após a falência, sem reivindicar a propriedade do imóvel.
Os apelantes divergiram da solução, sustentando ausente prova dos requisitos indispensáveis para anular negócio jurídico realizado antes do termo legal da falência: conluio fraudulento e intenção de prejudicar outros credores da massa. Além disso, a alegada simulação não teria sido comprovada, ônus que incumbia ao apelante, tendo a sentença se louvado em suposições, conquanto a boa-fé devesse ter sido presumida. De outro vértice, os recorrentes afirmaram estar demonstrada a higidez do negócio, tanto que relacionado na declaração de imposto de renda do primeiro apelante, configurando, portanto, de ato jurídico perfeito e acabado, insuscetível de revogação.

Requerida a concordada preventiva da apelada, esta foi convolada em falência em 8 de setembro de 1999, ocasião em que fixado como termo legal o sexagésimo dia anterior ao ajuizamento (autos n. 022.99.000631-1, conforme consulta no SAJ realizada nesta data). Essa data corresponde a 5 de dezembro de 1998, enquanto o contrato foi firmado em 17 de outubro daquele ano.
Embora a alienação tenha ocorrido fora do período suspeito, possível revogá-la, desde que comprovado o conluio fraudulento e a intenção de prejudicar os credores da massa, nos termos do art. 53 da antiga Lei de Falências, correspondente ao art. 130 da Lei 11.101/2005, ora vigente. Explica a doutrina, comentando o dispositivo atual:
Aqui é irrelevante a época em que o ato foi praticado, próxima ou distante da decretação da falência, bastando para sua ineficácia perante a massa a demonstração de que o falido e o terceiro contratante agiram com fraude. Independentemente da época em que o ato foi realizado, se ele objetivou fraudar credores ou a finalidade da execução coletiva, não produzirá seus efeitos perante a massa (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de Direito Comercial. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 353).
Logo, a revogação, no presente caso, independe da data em que realizada a transferência imobiliária.
Quanto à alegada simulação, do instrumento contratual constou:
Por este instrumento e na melhor forma de direito, a PROMITENTE VENDEDORA venda, como de fato vendido tem, ao PROMITENTE COMPRADOR as seguintes qualidades assim caracterizadas:
- Uma sala de nº 04 localizada no 4º pavimento com área total de 141,20m², sendo 109,93m² de área privativa e 31,27m² de área comum.

O preço certo e ajustado nesta data, correspondente à sala e respectiva fração ideal do terreno é de R$ 50.000,00 (cincoenta mil reais), que serão pagos na assinatura do presente instrumento, servindo o mesmo como plena, rasa e irrevogável quitação (cláusulas 3ª e 4ª, fl. 15).
Todavia, o depoimento pessoal do primeiro apelado indica que os contornos do negócio jurídico foram outros:
Não houve pagamento de R$ 50.000,00 que consta no contrato, conforme esclarecido anteriormente, já que serviu para quitação da falida. Os contratos de prestação de serviços contábeis eram verbais, ao preço de 04 (quatro) CUBs mês por edifício. [...] Não levei o contrato a registro. Ingressei na falência somente em Setembro de 2005 porque ninguém me procurou antes na condição de proprietário de imóveis e contador da empresa (José Antônio Dondé, fl. 112).

Como se vê, inocorreu a referida alienação, tratando-se de simulação com intuito de resguardar supostos créditos do primeiro apelante decorrentes de contrato verbal. Vislumbrado a frágil situação financeira que a empresa já apresentava naqueles tempos e que motivou pedido de concordata aforado apenas quatro meses depois, o primeiro apelante e o representante legal da falida simularam a transferência da sala comercial objeto da presente revocatória, da mesma forma que fizeram com diversos outros imóveis, os quais são tratados em outras demandas de mesma natureza (fls. 31/62). Como contador da falida, o primeiro apelante certamente possuia conhecimento de sua iminente quebra. Aliás, colho de seu depoimento pessoal:
Eu que fiz o balanço para fins de de concordata com orientação do representante da requerente e de seu advogado. Passei a me responsabilizar pela contabilidade da para falida no andamento da construção do Edifício Diplomata, não sabendo precisar a data. Isso há vários anos da falência (fl. 112).
Em relação à declaração de bens para fins tributários, esta não é prova suficiente para derruir os fatos demonstrados ao longo da instrução, pois unilateral.
A fraude foi bem exposta na sentença:
Considerando-se o estado de coisas reinante entre os envolvidos na transação, é forçoso ter-se que também esa negociação, não explicitada satisfatoriamente, acarreta prejuízo à comunidade de credores, pela razão de que não está comprovado o adimplemento do preço nem possíveis créditos do réu para com a alienante.
[...]

Por fim, importante o conhecimento do réu da situação econômico-financeira abalada da sociedade que veio a falir, tendo realizado o contrato, pela data que nele consta, aproximadamente 04 meses anteriores ao pedido de concordata, período em que os sinais de insolvência já se evidenciavam.
Esses indicativos possibilitam o reconhecimento do consilium fraudis entre o representante da falida e o réu, ocasionando danos aos credores, atualmente da massa falida da sociedade Binder Projetos e Construções Ltda. (fls. 1.324 e 1.325).
Ademais, em razão do princípio do livre convencimento motivado, a prova é de livre apreciação do magistrado, incumbindo-lhe indicar as razões que formaram o seu entendimento, tendo a sentença observado o dispositivo legal:
O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. (art. 131, Código de Processo Civil).

Como se vê, suficientemente demonstrada a simulação da compra e venda entre o representante legal da falida e o primeiro apelado. Em outras revocatórias envolvendo as mesmas partes, esta Corte decidiu:
[...] PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA LEGALIDADE CONCERNENTE ÀS TRÊS ALIENAÇÕES INQUINADAS - PRIMEIRA TRANSAÇÃO EFETUADA EM PERÍODO ANTERIOR AO TERMO LEGAL DA FALÊNCIA - CONFIGURAÇÃO DO ATO FRAUDULENTO ANTE A SIMULAÇÃO DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO - CONFISSÃO DO RÉU NO SENTIDO DE TER RECEBIDO A UNIDADE RESIDENCIAL COMO RESSARCIMENTO DE DIVERSAS NEGOCIAÇÕES NÃO ESPECIFICADAS CELEBRADAS COM A FALIDA - CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO ESTADO PRÉ-FALIMENTAR DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR PARTE DO ADQUIRENTE, UMA VEZ EXERCER A FUNÇÃO DE CONTADOR DAQUELA POR MAIS DE SEIS ANOS - MANIFESTO INTUITO DE PREJUDICAR CREDORES - PRESENÇA, NA ESPÉCIE, DO CONSILIUM FRAUDIS E EVENTUS DAMNI (ART. 53 DO DL 7.661/45) - SEGUNDA E TERCEIRA TRANSAÇÕES SIMULTÂNEAS - TRANSFERÊNCIA DE DUAS SALAS COMERCIAIS AO RÉU DENTRO DO PERÍODO FIXADO COMO SUSPEITO EM VIRTUDE DA QUEBRA - BENS RECEBIDOS COMO DAÇÃO EM PAGAMENTO REFERENTE A HONORÁRIOS PELOS SERVIÇOS CONTÁBEIS PRESTADOS PELO DEMANDADO - EXPRESSA COMINAÇÃO LEGAL DE INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO (ART. 52, II, DO DL. 7.661/45) - SENTENÇA DECLARANDO A INVALIDADE DAS ALIENAÇÕES MANTIDA - RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS (Apelações Cíveis n. 2003.028560-1 e 2003.028561-0, de Curitibanos, Relator: Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. em 29.9.2005).
Portanto, a sentença não merece reparo.
Por todo o exposto, nego provimento ao agravo retido e ao apelo.

DECISÃO
A Câmara, por unanimidade, negou provimento ao agravo retido e à apelação, nos termos do voto do Relator.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Lédio Rosa de Andrade, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Altamiro de Oliveira.

Florianópolis, 17 de maio de 2011

José Inácio Schaefer
Relator



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