Nesse sentido, colhe-se da doutrina: Nada mais natural, portanto, que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspenda, não apenas o curso da prescrição, como também o andamento de todas as ações e execuções em face do devedor, nelas incluídas as relativas aos credores particulares do sócio solidário. [...] No tocante à suspensão do andamento de todas as ações e execuções em face do devedor, parece igualmente evidente que não faria o menor sentido se, aberto o juízo universal da falência, no qual é conformada a massa falida, os credores individuais prosseguissem com suas execuções contra o falido (...) (Newton De Lucca, Adalberto Simão Filho, coordenadores. Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p 114).
Íntegra do acórdão:
Agravo de Instrumento n. 2010.022412-0, de Tubarão.
Relator: Des. Salim Schead dos Santos.
Data da decisão: 20.01.2011.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. ANTERIORIDADE DA ADJUDICAÇÃO EM RELAÇÃO À SENTENÇA QUE DECRETOU A FALÊNCIA DA EXECUTADA. ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. DESCABIMENTO, NO CASO CONCRETO, FACE À EXISTÊNCIA E RENÚNCIA DO CREDOR QUANTO AO CRÉDITO REMANESCENTE. EXTINÇÃO. ART. 794, I E III, DO CPC. CABIMENTO. DECISÃO REFORMADA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2010.022412-0, da comarca de Tubarão (3ª Vara Cível), em que é agravante Jardel Fernandes, e agravada Massa Falida de Campeiro Produtos Alimentícios Indústria e Comércio Ltda:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Comercial, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformar a decisão agravada a fim de extinguir a ação de execução n. 075.09.007048-2, com fulcro nos incisos I e III do artigo 794 do CPC. Custas legais.
RELATÓRIO
No origem, Jardel Fernandes ajuizou execução contra Campeiro Produtos Alimentícios Indústria e Comércio Ltda., por meio da qual pretendia ver adimplida a importância representada por notas promissórias emitidas pela executada (fls. 13 a 15).
A ação prosseguiu sem a oposição de embargos pelo devedor. O exequente requereu a adjudicação dos bens penhorados, o que foi deferido pelo Magistrado a quo (fl. 49), inclusive com a assinatura do auto de adjudicação (fl. 54), contra o qual também não foram oferecidos embargos (fl. 55).
Sobreveio sentença de decretação de falência da empresa executada, nos autos do pedido de autofalência n. 075.09.014102-9, a qual determinou, entre outras medidas, a suspensão de todas as ações ou execuções contra a falida, ressalvadas as exceções legais previstas nos § 1º e 2º do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 (fls. 66 a 67).
Diante de tal informação, o juiz condutor da execução acolheu a decisão e suspendeu o curso do processo (fls. 76 a 77).
Inconformado, o exequente interpôs o presente recurso de agravo de instrumento, no qual alega que o ato de adjudicação já estava perfeito e acabado à época da sentença no processo de falência, tendo o exequente, inclusive, renunciado ao crédito remanescente da execução, que, portanto, deve ser extinta (fls. 2 a 11).
O efeito suspensivo foi indeferido (fls. 84 a 86).
Intimada, a agravada deixou de apresentar contrarrazões (fls. 89).
É o relatório.
VOTO
1 - O recurso é tempestivo, porquanto a intimação foi efetivada em 12-4-2010 (fl. 78), dando início ao prazo recursal em 13-4-2010, findo em 22-4-2010 O protocolo foi efetuado em 19-4-2010 (fl. 2), posterior ao preparo (fl. 81). Os demais requisitos de admissibilidade estão presentes.
2 - Insurge-se o agravante contra decisão que, em razão da decretação de falência da empresa agravada, suspendeu o prosseguimento da ação de execução n. 075.09.007048-2. Alega o recorrente que o ato de adjudicação já estava perfeito e acabado à época da sentença no processo de falência, inclusive com assinatura do auto. Afirma, inclusive, que renunciou ao crédito remanescente da execução, o que levaria à extinção da ação, não sendo cabível a sua suspensão.
3 ¿ Primeiramente, convém salientar que, na sistemática da Lei n. 11.101/2005, a Nova Lei de Falências, diferenciam-se bem duas medidas decorrentes da sentença que decreta a falência: a suspensão dos processos em curso contra a falida e a fixação do termo inicial da falência.
O termo inicial ¿ um dos requisitos da sentença de falência ¿ é, no ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho,
olapso temporal correspondente às vésperas da decretação da quebra que serve de referência para a auditoria que o administrador judicial deve realizar nos atos praticados pelos representantes legais da sociedade empresária falida (Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 269).
Trata-se, pois, da demarcação de um certo espaço de tempo anterior ao pedido de falência em que todos os atos praticados administrativamente pela empresa deverão ser objeto de investigação e até mesmo anulação, caso constatado o claro intento de prejuízo à massa falida.
Diferente disso é o efeito de suspensão de todas as ações e execuções judiciais em curso contra a massa falida que decorre da sentença de decretação de falência ou deferimento da recuperação judicial da empresa. Essa medida visa apenas barrar as ações em curso para que todos os crédito, sob execução ou não, sejam alinhavados de acordo com a preferência legal disposta na própria legislação.
Trata-se de consequência natural da sentença, que independe até mesmo de declaração pelo Magistrado, de acordo o artigo 6º da Lei n. 11.101/2005, in verbis:
Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
Nesse sentido, colhe-se da doutrina:
Nada mais natural, portanto, que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspenda, não apenas o curso da prescrição, como também o andamento de todas as ações e execuções em face do devedor, nelas incluídas as relativas aos credores particulares do sócio solidário.
[...]
No tocante à suspensão do andamento de todas as ações e execuções em face do devedor, parece igualmente evidente que não faria o menor sentido se, aberto o juízo universal da falência, no qual é conformada a massa falida, os credores individuais prosseguissem com suas execuções contra o falido (...) (Newton De Lucca, Adalberto Simão Filho, coordenadores. Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p 114).
Logo, no presente caso, em que se trata da suspensão de ação executiva contra a falida, irrelevante o prazo fixado na sentença falimentar como termo inicial de seus efeitos, pois a medida que realmente incide sobre a hipótese dos autos é a suspensão segundo o artigo 6º.
4 - Feitos tais esclarecimentos, verifica-se que razão assiste ao agravante. Isso porque, antes da falência da executada ser decretada por sentença em 14-1-2010 (fl. 67), o auto de adjudicação (fl. 54) já havia sido assinado pelo Magistrado, pelo adjudicante e pelo chefe de cartório, em 1-9-2009, o que tornou o ato jurídico perfeito e acabado, segundo o artigo 685-B do Código de Processo Civil:
Art. 685-B. A adjudicação considera-se perfeita e acabada com a lavratura e assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicante, pelo escrivão e, se for presente, pelo executado, expedindo-se a respectiva carta, se bem imóvel, ou mandado de entrega ao adjudicante, se bem móvel.
Humberto Theodoro Júnior comenta o dispositivo:
O atual art. 685-B não cogita mais de sentença e, em qualquer caso, prevê que, solucionado o pedido único ou os diversos pedidos concorrentes, determinará o juiz a lavratura do auto de adjudicação. Aduz, mais, que, sempre, se deverá considerar "perfeita e acabada" a adjudicação pela lavratura e assinatura do auto. Firmam-no o juiz, o adjudicante e o escrivão. Eventual e não necessariamente, poderá assiná-lo, também, o executado, se presente ao ato (art. 685-B, caput) (Processo de execução e cumprimento de sentença. São Paulo: Leud, 2007, p. 335).
Analogicamente, também se aplica o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho, para quem uma execução individual com hasta pública já realizada
não se suspende porque, na verdade, o bem da devedor já foi liquidado. Considera-se, então, que a execução individual atingiu seu objetivo antes da decretação da falência. Nesta hipótese, o credor que movia a execução individual levanta, do produto apurado em hasta, o valor de seu crédito (Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 324).
Ressalta-se, ainda, que
quando a aquisição versar sobre bem móvel, não haverá necessidade de carta de adjudicação. Expedir-se-á mandado para que o depositário o entregue ao adjudicante. Com essa entrega, opera-se a tradição, com que a propriedade mobiliária se transfere, definitivamente, para o adquirente, sem depender de documentação em registro público (Humberto Theodoro Junior, ob cit. p. 336).
Dessa forma, tratando-se de bens móveis, que é o caso dos autos, seria até mesmo desnecessária a expedição de carta de adjudicação, transferido-se a propriedade de forma definitiva com a simples tradição do bem, ou seja, a sua entrega para o adjudicante. Essa, por sua vez, também ocorreu antes da sentença de falência, conforme informou o próprio exequente (fls. 61), sacramentando a adjudicação que, dessa forma, não pode ser atingida pela suspensão decretada no processo de falência, pois integralmente realizada antes dessa decisão.
Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE PROFISSIONAL LIBERAL. EXECUÇÃO. Se a adjudicação ocorreu anteriormente ao deferimento do processamento da recuperação judicial, não há que se falar em sua suspensão, pois, entender de forma diversa seria privilegiar o devedor que, ciente da adjudicação de seus bens, pleiteia a recuperação judicial apenas para evitar que os mesmos sejam transmitidos aos novos proprietários. Decisão reformada. Recurso provido (Agravo de Instrumento n. 0349787-13.2009.8.26.0000, rel. Des. Felipe Ferreira, j. 9-6-2010).
Além do mais, o processo somente prosseguiu após finalizada a adjudicação pois o juízo singular solicitou à sua contadoria que atualizasse os valores do débito, afim de investigar a existência de eventual quantia excedente em favor do executado (fl. 62). Contudo, do cálculo apresentado (fl. 63) percebe-se que, na verdade, há débito remanescente em favor do exequente, o qual, todavia, já havia sido renunciado na mesma ocasião em que esse informou que estava na posse do bem (fl. 61).
Sendo assim, ainda que cabível a suspensão do processo, apenas em relação ao débito restante, tal medida é desnecessária frente à renúncia do exequente quanto ao seu crédito, o que torna aplicável a extinção de plano do processo, com fulcro no incisos I e III do artigo 794 do CPC, a saber:
Art. 794. Extingue-se a execução quando:
I - o devedor satisfaz a obrigação;
[...]
III - o credor renunciar ao crédito.
Por tais motivos, deve ser reformada a decisão agravada, para extinguir a ação de execução n. 075.09.007048-2. Contudo, não serão fixados honorários advocatícios, porquanto já arbitrados no despacho que determinou a citação do executado (fl. 28), incluídos também no cálculo de folha 63.
5 ¿ Ante o exposto, meu voto é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformar a decisão agravada a fim de extinguir a ação de execução n. 075.09.007048-2, com fulcro nos incisos I e III do artigo 794 do CPC.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, a Câmara, por unanimidade de votos, decidiu conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformar a decisão agravada a fim de extinguir a ação de execução n. 075.09.007048-2, com fulcro nos incisos I e III do artigo 794 do CPC.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Fontes, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Rodrigo Antonio.
Florianópolis, 20 de janeiro de 2011.
Salim Schead dos Santos
Relator