De início, sem razão a agravante ao sustentar a existência de contrato de depósito, pois como se vê do instrumento de sequência 1.4 (autos de origem), cuida-se de "compromisso particular de compra e venda de soja", pelo qual a ora agravante comprometeu-se a vender e a ora agravada a adquirir "a quantia de 1.200.000 (Um milhão e duzentos mil) quilogramas de soja a granel, de tipo exportação, safra 2016/2017".
E, ao contrário do aduzido, é irrelevante o fato do pagamento ser na modalidade "preço a fixar", na medida em que o art. 488, do Código Civil admite a estipulação do preço em data posterior.
Ademais, o próprio representante da agravante, em seu depoimento em juízo (seq. 69.2, autos de origem), afirmou que o contrato era de compra e venda de soja, com preço a fixar e que desconhecia cobranças de taxa de armazenagem.
Registre-se, por oportuno, que esta questão relativa à natureza dos contratos firmados entre a recuperanda Seara e cerealistas/produtores já é conhecida desta Câmara que, em situações análogas à presente, se posicionou no sentido de que a operação é de compra e venda de grãos e não de depósito.
Confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE RESTITUIÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE O CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES SERIA DE DEPÓSITO. PLEITO DE DEVOLUÇAO DE GRÃOS DE SOJA. IMPROCEDÊNCIA. PACTO QUE CONTÊM TODAS AS CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DE COMPRA E VENDA. PROVAS DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS QUE CONVERGEM NO SENTIDO DA HABITUALIDADE DA EMPRESA EM PACTUAR CONTRATOS DE COMPRA E VENDA COM PREÇO A FIXAR. APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (0000888-54.2017.8.16.0162 - Rel. Juíza Luciane Bortoleto - J. 13.10.2020)AÇÃO DE RESTITUIÇÃO. ALEGADO CONTRATO DE DEPÓSITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ENTREGA DE GRÃOS À SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUE NÃO EXERCE ATIVIDADE DE ARMAZÉM GERAL, MAS ATUA COMO TRADING DE COMMODITIES AGRÍCOLAS. COMPRA E VENDA COM PREÇO "A FIXAR". CRÉDITO QUE SE SUJEITA À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. (0001190-49.2018.8.16.0162 - Rel. Des. Vitor Roberto Silva - J. 27.07.2020).
O crédito, portanto, sujeita-se ao concurso de credores e, quanto ao seu valor, apesar do contrato prever como faculdade do vendedor a fixação do preço, nada dispõe acerca de eventual liquidação antecipada, de modo que a utilização de cotação em data posterior ao ajuizamento da ação violaria o princípio "par conditio creditorum".
Assim, visando a igualdade entre os credores e em atenção ao determinado no art. 9º, II, da LRF, a data da propositura da recuperação judicial deve ser utilizada como parâmetro para a fixação do preço, como o foi pelo administrador judicial no caso em apreço.
E conforme bem salientado pelo juízo de origem: Vale frisar que a recuperação judicial promove uma reorganização e uma redefinição das relações obrigacionais, sobretudo diante do texto do artigo 59 da própria Lei de 11.101/2005, prevendo uma novação condicionada, vinculada ao cumprimento de cláusulas incluídas num plano de pagamentos aprovado por deliberação assemblear e homologado em Juízo.
Não há como, portanto, admitir possa a faculdade conferida em cláusula contratual ao vendedor (fixação do preço), ora impugnante, ultrapassar a data do ajuizamento da recuperação judicial.
AI n. 0045562-16.2020.8.16.0000