Em princípio, poderia o magistrado a quo ter aprovado o plano de recuperação judicial, inobstante rejeitado pela maioria dos credores, seja por cabeça, seja pelo valor dos créditos, eis que presentes os requisitos objetivos exigidos pela legislação.
A este respeito, ensina LUIZ INÁCIO VÍGIL NETO:
Se o plano tiver sido rejeitado pela assembléia geral de credores, o juiz deverá decretar a falência.
Não obstante, o magistrado tem o poder de impor o plano, evitando o decreto falencial, se reconhecer o desempenho de função social pela empresa em crise.
Dentro das diversas propostas debatidas no Congresso brasileiro, prevaleceu a que mitigava o poder do juiz de contrariar a vontade manifestada pelos credores em assembléia. Logo, a imposição do plano rejeitado pelos credores em assembléia não se constitui em um ato de vontade absoluta do juiz, mas vinculado a alguns critérios objetivos. Somente com a presença de todos esses requisitos, poderá o juiz examinar, de forma subjetiva, se a empresa é estrategicamente importante no seu contexto social.
Esses requisitos estão previstos no artigo 58, §§ 1º e 2º, são:
1) aprovação pela maioria dos créditos presentes, independentemente de classes;
2) aprovação em pelo menos duas classes, nos termos do artigo 45, se a assembléia tiver sido composta por três classes, ou por uma classe se no encontro deliberativo somente duas fizeram-se presentes, observando-se que nas classes II e III também haverá duas contagens, de credores e de créditos;
3) na classe que houver rejeitado, ter o plano obtido mais de um terço de votos, de acordo com a regra do artigo 45, ou seja, se for o caso mais de um terço na contagem por crédito;
4) não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que houver rejeitado o plano.
Em relação a este último requisito, quis o legislador garantir que fosse aprovado o mesmo plano, não permitindo barganhas, favorecimentos ou reprimendas aos credores da classe que rejeitou o plano.
Se todos esses requisitos estiverem presentes, passará o magistrado a analisar o desempenho da função social pela empresa. Na idéia de função social, adotou-se o princípio da relevância do ente econômico em seu contexto social. Dessa forma, a função social não se mede por atividades sociais ou filantrópicas, mas pela importância da empresa no contexto de sua operação econômica nacional, estadual, regional ou local, na geração de emprego e riqueza.
A ausência de um dos requisitos do artigo 58, §§ 1º e 2º, ou o não-reconhecimento de função social, resultará na decretação da falência. (em Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n. 11.101/05, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pp.172-173)
Contudo, como se pode observar, a aplicação do cram down não é absoluta, até porque tal instituto decorre da mitigação da lei, uma vez que a rejeição do plano pela assembleia geral de credores é, preponderantemente, soberana.
Da mesma forma, a presença dos pressupostos legais não garante à recuperanda o suprimento judicial a fim de aprovar o plano de recuperação judicial elaborado, tendo em vista a existência do requisitos subjetivos para a adoção de tal procedimento, ou seja, a função social da sociedade empresária no contexto social em que instalada e a sua relevância econômica na comunidade.
A este respeito, FABIO ULHOA COELHO ensina:
Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. [...] Não se pode erigir a recuperação das empresas um valor absoluto. Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo. Em muitos casos - eu diria, na expressiva maioria deles - se a crise não encontrou uma solução de mercado, o melhor para todos é a falência, com a realocação em outras atividades econômicas produtivas dos recursos materiais e humanos anteriormente empregados na da falida.
Em outros termos, somente as empresas 'viáveis' devem ser objeto de recuperação judicial ou extrajudicial. Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, em qualquer recuperação de empresa não derivada de solução de mercado, o devedor que a postula deve mostrar-se digno do benefício. Deve mostrar, em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando recuperada, pelo menos em parte o sacrifício feito para salvá-la. Essas condições agrupam-se no conceito de viabilidade da empresa, a ser aferida no decorrer do processo de recuperação judicial ou na homologação da recuperação extrajudicial. (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 186-188.)
Salienta-se, ainda, que "a recuperação judicial tem por finalidades imediatas a preservação dos negócios sociais, a continuidade do emprego e a satisfação dos direitos e interesses dos credores e, por finalidades mediatas, estimular a atividade empresarial, o trabalho humano e a economia creditícia" (Jorge Lobo em Comentários à Lei Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores Paulo F. C. Salles de Toledo, Carlos Henrique Abrão. - 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2012, p. 176).
Prossegue o autor:
No caso da recuperação judicial, a assembleia geral de credores e o juiz da causa deverão entregar-se à "ponderação de fins" - salvar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos -, pelo princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, quando, então, talvez, venham a concluir que o caso concreto exige o "sacrifício", p. ex.: (a) do interesse da empresa e de seus sócios ou acionistas em benefício de empregados e credores ou (b) dos direitos de empregados e credores em prol da empresa, pois, como ressaltam os franceses, os processos concursais são "procedimentos de sacrifício", que limitam os poderes do devedor e restringem os direitos dos credores.
Deverão, ao mesmo tempo, empenhar-se na "ponderação de princípios" - o da conservação e da função social da empresa, o da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho e o da segurança jurídica e da efetividade do Direito -, por meio do "teorema de colisão" de Alexy, para o qual, diante de um choque de princípios, as circunstâncias fáticas determinarão qual deve prevalecer, pois "possuem uma dimensão de peso", verificável caso a caso. (Ob. Citada, p. 176)
Íntegra do acórdão:
Agravo de Instrumento n. 0150632-73.2015.8.24.0000, de Ipumirim
Relator: Des. Subst. José Maurício Lisboa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE CONVOLA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA. INSURGÊNCIA DA FALIDA.
REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. PLEITO RECURSAL PARA A APROVAÇÃO DO PRJ SER SUPRIDA JUDICIALMENTE (CRAM DOWN) NA FORMA DO ART. 58, §§ 1º E 2º DA LEI DE REGÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS OBJETIVOS EXIGIDOS: a) aprovação pela maioria dos créditos presentes, independentemente de classes; b) aprovação em pelo menos duas classes, nos termos do artigo 45, se a assembleia tiver sido composta por três classes, ou por uma classe se no encontro deliberativo somente duas fizeram-se presentes, observando-se que nas classes II e III também haverá duas contagens, de credores e de créditos; c) a classe que houver rejeitado, ter o plano obtido mais de um terço de votos, de acordo com a regra do artigo 45, ou seja, se for o caso mais de um terço na contagem por crédito; d) não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que houver rejeitado o plano.
NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DE REQUISITOS SUBJETIVOS COMO DESEMPENHO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. "Se o plano tiver sido rejeitado pela assembléia geral de credores, o juiz deverá decretar a falência. Não obstante, o magistrado tem o poder de impor o plano, evitando o decreto falencial, se reconhecer o desempenho de função social pela empresa em crise. [...] Logo, a imposição do plano rejeitado pelos credores em assembléia não se constitui em um ato de vontade absoluta do juiz, mas vinculado a alguns critérios objetivos. Somente com a presença de todos esses requisitos, poderá o juiz examinar, de forma subjetiva, se a empresa é estrategicamente importante no seu contexto social". (Luiz Inácio Vigil Neto, Em Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n. 11.101/05, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pp.172-173). INEXISTÊNCIA. REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA FALIDA QUE DURANTE O TRÂMITE DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ALIENA BACIA LEITEIRA, CEDE MAQUINÁRIO E LOCAL DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS A TERCEIROS SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE PARCELAMENTO DE DÉBITO FISCAL MILIONÁRIO QUE NÃO ESTÁ SUBMETIDO AO REGIME DA RECUPERACIONAL. PREPONDERANTE PARTE DO ACERVO PATRIMONIAL DA RECUPERANDA/FALIDA QUE REPRESENTA GARANTIA DE DÉBITOS, QUE NÃO SERVIRÃO PARA LIQUIDAR A DÍVIDA DE TERCEIROS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES NA DATA DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA QUE DECRETA A QUEBRA. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE A INVIABILIZAR A CONCESSÃO DO "CRAM DOWN". PRECEDENTES.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PELOS CREDORES. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. "CRAM DOWN". IMPOSSIBILIDADE. CASO CONCRETO.
1. A decisão de rejeição do plano de recuperação judicial tomada pelos sócios em Assembleia Geral de Credores é soberana, podendo o Juiz impor sua aprovação somente na hipótese de preenchimento dos requisitos previstos no art. 58, §§1º e 2º, da Lei n. 11.101/2005, inocorrente na espécie.
2. Rejeição da alegação de nulidade da AGC. Ausência de indícios de irregularidade na conduta do Sr. Administrador Judicial, bem como de abusividade dos votos dos credores que decidiram pela rejeição do plano.
3. Empresa com atividades encerradas desde maio de 2017. Convolação da recuperação judicial em falência. Manutenção da decisão recorrida. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70075902296, 5ª Câmara Cível, Relatora Des. Lusmary Fátima Turelly da Silva, julgado e m 28.3.2018)
SENTENÇA ESCORREITA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 0150632-73.2015.8.24.0000, da comarca de Ipumirim Vara Única em que é Agravante Laticínio Lindóia do Sul Ltda (em recuperação judicial).
A 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Guilherme Nunes Born, presidente com voto, e Des. Carlos Roberto da Silva.
Florianópolis, 27 de fevereiro de 2019.
José Maurício Lisboa
RELATOR
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela empresa Laticínio Lindóia do Sul Ltda. ME (em recuperação judicial) em face da decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Ipumirim, nos autos da "Ação de Recuperação Judicial" nº 0000712-46.2013.8.24.0242, a qual decretou a falência da empresa recuperanda (fls. 44-54), nos seguintes termos:
Ante o exposto, decreto a falência da empresa Laticínio Lindóia do Sul Ltda ME, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n. 03.277.627/0001-82, estabelecida na Rodovia SC 465, km 25, s/nº, área industrial de Lindóia do Sul/SC, administrada pelos sócios Dilce Zatta Gasparotto e Agnaldo Bruniera (conforme 10ª Alteração de Contrato Social, 'cláusula sétima').
Determina-se:
1. Fixo em 31 de agosto de 2012 o termo legal da falência - 90 dias contados do primeiro protesto por falta de pagamento, noticiado à fl. 208 (art. 99, II, Lei nº 11.101/2005).
2. Determino a apresentação, pelo falido, de nova relação nominal dos credores, no prazo de 5 (cinco) dias, indicando endereço, importância, natureza e correta classificação dos respectivos créditos, sob pena de desobediência.
3. Depois, publique-se a relação apresentada, com prazo de 15 dias para habilitações e divergências administrativas, as quais deverão ser entregues diretamente ao administrador judicial (art. 7º, §1º da Lei nº 11.101/2005).
4. Ficam suspensas todas as ações ou execuções contra a falida, ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005.
5. Diante da situação da falida, tenho por inviável a continuação provisória das atividades desta e determino que sejam lacrados os estabelecimentos para que seja garantida a correta arrecadação de todos os bens.
6. Não obstante, deverá o administrador judicial verificar e informar ao juízo, em 15 dias, a existência de produtos em depósito/estoque, ou em fase final de produção, os quais deverão ser entregues ao destinatário no prazo máximo de 30 dias (a fim de evitar o perecimento) ficando expressamente vedado o recebimento de matéria prima (leite) e a industrialização de qualquer produto, salvo a conclusão dos já iniciados ou a necessária para cumprir contratos cujos valores já foram recebidos, a contar da publicação desta decisão.
7. Fica proibida a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de eventuais bens da falida, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver (art. 99, VI).
8. Oficie-se à Junta Comercial para que proceda à anotação da falência no registro do devedor. Deverá constar a expressão "Falido", a data da decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 da Lei nº 11.101/2005.
9. Expeçam-se ofícios aos Registros de Imóveis, ao Detran, à Receita Federal e à Comissão de Valores Mobiliários para que informem a existência de bens e direitos em nome da falida (art. 99, X, da Lei nº 11.101/2005).
10. Comuniquem-se, por carta, as Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipais - Lindóia do Sul (sede) e Irani (onde a empresa possuía filial) -, para que tomem conhecimento da falência (art. 99, XIII).
11. Em atenção ao art. 31 da Lei nº 11.101/2005, destituo o administrador Judicial CETERA ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA (Andrei Bueno Sander) da função e determino que preste as contas do período em que foi responsável pela Empresa requerente termo de compromisso de fl. 381. Prazo para prestação de contas: 30 dias.
As contas deverão ser prestadas em autos apartados (art. 154, §1º, c/c art. 24, §§3º e 4º, da Lei nº 11.101/2005), que deverá ser instruído com cópia da decisão de fls. 312-314 e do termo de fl. 381, além dos documentos apresentados pelo administrador.
12. Nomeio, em substituição, a advogada Helenice Beatriz Luersen Pereira Duarte, OAB/SC n. 37427, com escritório na rua Dr. Maruri, 1342, 1º andar, sala 102, Ed. Carmelo, centro, na cidade de Concórdia/SC, telefone para contato (49) 3442-0321, como administradora judicial da falência. E-mail para contato: helenice.advocacia@hotmail.com.
Intime-se-a pessoalmente (AR-MP ou e-mail) para, no prazo de 5 dias, assinar o termo de compromisso, bem assim proceder na forma do disposto no art. 22, III, da Lei nº 11.101/2005.
Fixo a remuneração da administradora judicial em 2% (dois por cento) do valor de venda dos bens da falida - art. 24, §5º, da Lei nº 11.101/2005.
13. A nova administradora deverá ser intimada, também, em todas as ações, execuções e habilitações ainda em trâmite, passando a representar a Massa Falida.
14. Firmado o compromisso, deverá efetuar a arrecadação dos bens e documentos, na forma do art. 110 da Lei nº 11.101/2005, bem como a avaliação de todos eles. Para realizar a avaliação poderá valer-se do auxílio de peritos, mediante remuneração, devendo a proposta ser previamente submetida a aprovação judicial ou do Comitê. Ainda, faculto à administradora a nomeação de pessoa por ela escolhida para a guarda dos bens da falida, ficando tal pessoa nomeada depositária, sob as penas da lei.
A falida poderá acompanhar a arrecadação e deverá disponibilizar à administradora nomeada livre acesso às dependências da empresa e aos documentos, dados e informações solicitadas.
15. Após arrecadados os bens haverá decisão acerca da convocação de assembleia geral de credores para eventual constituição do Comitê de Credores (art. 99, XII). Por isso, dispenso, por ora, a sua convocação.
16. Diante da condição econômico-financeira da sociedade empresária falida, fica dispensada, neste momento, do pagamento das custas finais.
17. Intimem-se a devedora, os credores, o administrador e o Ministério Público.
18. Comunique-se à Justiça Federal, Justiça do Trabalho e demais Varas que tenham apresentado manifestação nos autos.
19. Publique-se o edital na forma do art. 99, parágrafo único, da Lei n.º 11.101/2005.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Opostos embargos declaratórios pela recuperanda/falida, estes foram rejeitados, consoante decisão de fl. 42.
Em suas razões recursais, a agravante alega que "não há razão para que uma sociedade empresária que está desenvolvendo as suas atividades e faturando valores do importe dos que estão sendo contabilizados nos balancetes que seguem anexos, venha a falir".
Salienta que "não se pode vislumbrar a situação financeira de uma empresa em recuperação judicial sem uma análise da evolução de sua contabilidade, mas não poderia a agravante ter sua recuperação judicial convolada em falência pela não apresentação de documento nos autos, cuja responsabilidade a lei atribui ao administrador judicial que, na falta, deve ser pessoalmente intimado para justificar esta não apresentação, nos termos do art. 23, da Lei n. 11.101/05".
Acrescenta que "foi juntado aos autos processuais documento atestando a viabilidade da empresa, mas, de fato, a verificação aritmética do resultado da assembleia deve ser o norte para que se conclua que a maioria alternativa dos credores aposta no soerguimento da empresa", pugnando, dessa forma, em razão da recusa apenas do Banco do Brasil quanto ao plano de recuperação judicial, pelo suprimento judicial para aprovar o plano, na forma do art. 58, § 1º da Lei n. 11.101/2005, ou seja, que o juízo utilizasse o cram down.
Refere que preenche os requisitos objetivos dispostos no art. 58, § 1º da Lei n. 11.101/2005 e que os subjetivos restaram devidamente demonstrados no sentido de que há, efetivamente, viabilidade financeira da empresa recuperanda.
Alega que os credores que ajuizaram ações de busca e apreensão em face da agravante, conforme mencionado na sentença recorrida, foram os mesmos que anuíram ao plano de recuperação judicial e que as demais ações ajuizadas pelos fornecedores rurais de leite ainda estão sendo discutidas, e assim como a dívida fiscal, não podem ser questões definitivas a serem consideradas para fins de decretação de sua falência.
Em relação à dívida fiscal defende que embora não haja previsão legal específica para parcelamento tributário dos débitos fiscais para empresas em recuperação judicial, sustenta que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que na verdade se trata de um direito do contribuinte nestas situações (recuperação judicial). Assim, bastaria ao juízo, segundo a concepção da agravante, quando da concessão da recuperação judicial, afastar a exigência legal de apresentação das certidões negativas de débitos fiscais.
Combate o valor de mercado da empresa mencionado na decisão profligada e argui que a negociação da bacia leiteira se deu para modernização da logística de aquisição da matéria prima, não podendo ser considerado o fator para paralisação de suas atividades. Impugna a questão referente à licença ambiental, eis que juntada aos autos quando da realização da assembleia de credores.
Assim, conclui que a convalescença da empresa é visível, de modo que pleiteia pela reforma da sentença, a fim de que seja concedida a sua recuperação judicial, com a homologação do plano de recuperação judicial apresentado nos autos.
Indeferido o efeito suspensivo ativo às fls. 60-63, lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu, no sentido de inexistir interesse a ensejar a sua intervenção no feito (fls. 72-74).
Vieram-me, então, conclusos os autos.
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade recursais, especialmente a previsão do art. 1.015, XIII do CPC/2015 c/c art. 100 da Lei n. 11.101/2005, conheço do reclamo.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela empresa Lacticínio Lindóia do Sul Ltda. (em recuperação judicial) em face da sentença que convolou a ação de recuperação judicial em falência (fls. 44-54).
Objetiva a agravante a reforma da decisão que convolou a ação de recuperação judicial em falência, refutando um a um os argumentos utilizados pelo juízo sentenciante, que assim decidiu:
A Assembleia Geral de Credores AGC (fls. 1964-1965 item "2"), por maioria do capital votante, rejeitou o plano de recuperação e seus modificativos apresentados pela empresa autora (fls. 1964-1965 - item "2"). Logo, em respeito à soberania da Assembleia, caberia ao Judiciário decretar a falência.
No entanto, conforme se verifica do item "3" da apuração dos votos (fl. 1965), o resultado permite que o magistrado aprove o plano de forma subsidiária (cram down).
Para que isso ocorra, dois requisitos devem estar presentes: (a) um de natureza objetiva, cujos parâmetros a serem observados estão descritos nos incisos do §1º do art. 58 da Lei nº 11.101/2005; e (b) outro de natureza subjetiva, que diz respeito à viabilidade econômica da empresa, partindo das informações constantes no processo, dentre as quais: o esforço em permanecer no mercado e a conduta adotada pela empresa durante a tramitação, inclusive em face dos credores extra concursais.
Obviamente que nessa análise deve-se levar em consideração o princípio da conservação da empresa e a importância da manutenção do mercado, até porque os reflexos do encerramento das atividades não são positivos e atingem um número significativo de pessoas.
Frisa-se, novamente, que a decisão final exige muita cautela, porquanto, conforme leciona Fábio Ulhoa Coelho:
Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo. Em muitos casos, se a crise não encontrou uma solução de mercado, o melhor para todos é a falência, com a realocação em outras atividades econômicas produtivas dos recursos materiais e humanos anteriormente empregados na falida. (Curso de Direito Comercial - Direito de empresa. Ed. Saraiva, 2014. P. 397)
In casu, apesar de os critérios objetivos do §1º do art. 58 da Lei nº 11.101/2005 estarem preenchidos, este juízo entende que a empresa, após o pedido de recuperação judicial, que ocorreu há mais de dois anos, tempo mais que suficiente para convencer os credores, não agiu como se uma empresa economicamente viável fosse, razão pela qual se torna inviável a sua manutenção, conforme será exposto.
I. Da dívida
A presente ação foi proposta em 13-6-2013 e noticiou um passivo superior a R$ 22 milhões (fls. 131-161) valor original, sem correção.
O débito fiscal em 11-11-2014, inclusive relatado pela empresa à fl. 1413, era de aproximadamente R$ 6,4 milhões. Em relação ao débito fiscal, registro que inexiste qualquer informação a respeito de pagamento parcial ou parcelamento realizado na via administrativa (art. 6º, §7º, da Lei nº 11.101/2005).
O resultado da simples soma ultrapassa o montante bruto de R$ 28 milhões.
Merece destaque que existem débitos que não se submetem ao procedimento da recuperação judicial, além de dívidas criadas no curso desta ação e que não foram incluídas no plano de recuperação.
II. Do patrimônio existente
O patrimônio da empresa, por informação da própria requerente à fl. 1413, é de aproximadamente R$ 850 mil, apenas.
Confrontando o passivo informado com o patrimônio, percebe-se que este representa aproximadamente 3% (três por cento) daquele sem considerar obrigações posteriores à recuperação judicial e sem discriminar os bens alienados fiduciariamente (que são de propriedade dos credores e podem, a qualquer tempo, serem buscados e apreendidos por falta de pagamento), que não são poucos.
III. Dos bens alienados fiduciariamente (propriedade dos credores)
Os bens alienados fiduciariamente não se submetem aos efeitos da recuperação judicial (art. 47, §3º, da Lei nº 11.101/2005), razão pela qual não se pode ignorar as demandas propostas em decorrência do inadimplemento desses contratos.
Desde a distribuição da ação de recuperação judicial foram propostas aproximadamente 10 (dez) ações contra a empresa requerente, sendo nove de busca e apreensão e uma de reintegração de posse.
Como não existe nenhuma informação de pagamento dessas dívidas, é questão de tempo para os proprietários fiduciários retomarem os bens. E quando isso ocorrer, a empresa ficará desfalcada e bastante prejudicada, visto que muitos dos bens alienados são usados diretamente na linha de produção.
IV. Do imóvel sede da empresa
O imóvel onde a empresa autora está instalada foi doado pelo Poder Público Municipal (Lindóia do Sul) e a legalidade desse ato está sendo discutida na Ação Civil Pública nº 0900003-15.2015.8.24.0242, que tem como um dos pedidos o ressarcimento do erário. Logo, sem qualquer intuito de pré-julgamento, essa questão não pode ser ignorada.
V. Da redução do quadro de funcionários
Desde o processamento da presente demanda, percebeu-se uma drástica redução no quadro de funcionários.
Pela informação apresentada por último, a empresa conta hoje com apenas 12 (doze) empregados (fls. 2001-2012). No início da recuperação judicial o quadro era de 93 (noventa e três) fls. 185-187.
VI. Da dívida com os fornecedores de leite
Às fls. 1105-1106, em petição datada de 14-3-2014, o administrador judicial trouxe algumas informações a respeito das atividades da empresa - na verdade a única manifestação nesse sentido (apesar da obrigação de haver relatórios mensais).
No mencionado documento, destaca-se a afirmação de que "foi efetuado o pagamento integral de todos os produtores de leite" fl. 1105.
Porém, ao que tudo indica, tal informação não condiz com a realidade!
Isso porque, após a manifestação do administrador judicial, diversos produtores de leite ajuizaram ações de cobrança.
Em maio/2014 foram propostas duas ações; em julho/2014 uma e em agosto/2014 outra todas relativas a entrega de leite que não foi quitada pela empresa. Neste ano, até agora, foram ajuizadas 11 novas ações.
Resumindo, a afirmação feita pelo administrador judicial não pode ser confiada.
Causa estranheza a empresa estar preocupada com o reflexo social da sua eventual "quebra" (ponto muito destacado nas suas justificativas) e, ao mesmo tempo, deixar de cumprir obrigações assumidas com os produtores rurais da região, muitos deles, senão a maioria, de pequeno porte e que sobrevivem dessa atividade.
VII. Do faturamento apresentado no 1º semestre/2015
O administrador judicial, na sua última manifestação, relatou que a empresa autora faturou acima de 6 milhões de reais no primeiro semestre de 2015 fl. 2000.
Duas situações chamam a atenção deste juízo nesse ponto.
A primeira, pelo fato de a empresa autora não possuir nenhum dinheiro em conta bancária por ocasião da tentativa de bloqueio de numerário nos autos da Ação Civil Pública nº 0900003-15.2015, que tramita nesta comarca (consulta realizada em 19-3-2015). Ora, se o faturamento mensal estava próximo de 1 milhão de reais (fl. 2000), qual a justificativa do insucesso de tal bloqueio, mormente porque nenhum pagamento de credor foi noticiado nos autos?!
A segunda, por não haver informação sobre o verdadeiro destino dos valores arrecadados nesse período. O mínimo que se espera de uma empresa que pede a recuperação judicial é transparência, a fim de que se possa fiscalizar a ordem de pagamento dos créditos e o respeito ao plano de recuperação proposto.
Ressalto, novamente, que não veio aos autos nenhuma comprovação de que foram realizados pagamentos, sequer parciais, dos débitos.
No que tange ao débito fiscal, é perceptível a sua evolução. À fl. 429, a União informou que, em 9-7-2013, a dívida era de R$ 409.679,15. Passados 1 ano e 4 meses, no dia da 2ª convocação da Assembleia Geral de Credores (em 11-11-2014), a própria empresa informou que o débito fiscal teria ultrapassado a casa dos R$ 6 milhões fl. 1413 (modificativo ao PRJ).
VIII. Da conduta da empresa e do administrador nomeado
Analisando o caderno processual, verifica-se que tanto a empresa quanto o administrador judicial nomeado deixaram de dar a devida importância ao procedimento da recuperação judicial.
Nada de concreto veio aos autos que permita outra conclusão, seja em relação à manutenção das atividades da empresa durante o processamento da recuperação, ou em relação ao pagamento de credores.
Também não foram acostados aos autos os relatórios mensais obrigatórios (art. 52, IV). Apenas foi apresentada uma informação genérica às fls. 1105-1106, relativa aos meses de julho a dezembro/2013.
Sobre os relatórios mensais, por força do art. 22, II, "c", da Lei nº 11.101/2005, também competia ao administrador providenciá-los. No entanto, em que pese ter firmado o compromisso legal, deixou de cumprir com esse importante dever.
Para reforçar essa conclusão, às fls. 1472-1473, o Ministério Público trouxe documento em que a sócia-proprietária da empresa (Dilce) afirmou que as atividades estavam praticamente paralisadas e que teria vendido a sua bacia leiteira para outra empresa (ARC) por R$ 2,4 milhões. Esse é mais um fato que chama a atenção, pois deveria ter sido comunicado ao juízo e aos credores. A venda permite concluir, ademais, que a empresa não possui matéria prima para continuar funcionando e está encerrando suas atividades. Depois, para onde foi esse dinheiro da venda?
Da juntada de tais documentos o administrador e a empresa foram cientificados, porém não apresentaram qualquer objeção - concordando tacitamente com o que fora afirmado (até porque firmado pela sócia da empresa - fls. 1472-1473)
À fl. 1471, veio a informação de que a FATMA determinou a suspensão imediata das atividades da empresa, por descumprimento da legislação ambiental (licenças vencidas) - Termo de Embargo nº 2130-D. Isso reforça o descaso da empresa e do administrador para com o regular andamento do processo e com os interesses dos credores.
Nada foi feito pela empresa que pudesse convencer este juízo a respeito de sua viabilidade em superar a crise e manter-se forte no mercado.
Pelo contrário, percebeu-se uma desídia total da empresa e do administrador judicial.
Registre-se que o administrador não atendeu à última determinação deste juízo (fls. 2013-2026), que consistia em apresentar a relação atualizada de credores e o rol de bens da empresa. Lamentavelmente apenas "copiou e colou" informações extraídas do plano de recuperação apresentado (fls. 812-897).
Com efeito, o art. 73 da Lei n. 11.101/2005 elenca as hipóteses em que a recuperação judicial será convolada em falência:
Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:
I - por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;
II - pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei;
III - quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4o do art. 56 desta Lei;
IV - por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do art. 61 desta Lei.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a decretação da falência por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94 desta Lei, ou por prática de ato previsto no inciso III do caput do art. 94 desta Lei.
No presente caso, a par da documentação carreada no bojo do processado, observa-se que se está diante da hipótese do inciso III, eis que convocada a 5ª Assembleia Geral de Credores, em 23.02.2015 (fls. 1.886-1.894), não foi obtido quórum suficiente para a aprovação do plano de recuperação judicial e plano adesivo, eis que o Banco do Brasil foi o único credor a se opor aos mesmos, tanto na classe II (credores com garantia real) quanto na classe III (credores quirografários).
Acrescente-se que, consoante a manifestação do administrador judicial às fls. 1964-1965 (fls. 2523-2525 dos autos digitais), após decisão proferida nos autos da ação cautelar n. 0001451-82.2014.8.24.0242 promovida pelo Banco do Brasil, por sentença irrecorrida foi readequada a natureza de parte do crédito da referida instituição financeira, restando configurado o quadro geral de credores e o quórum de votação do plano da seguinte forma:
- Classe I - 100% dos votos por cabeça e por valor perfazendo a quantia de R$ 13.519,93, aprovando o PRJ (Plano de Recuperação Judicial);
- Classe II - 04 votos aprovando o PRJ com 34,70% do valor total da classe perfazendo a quantia de R$ 1.395.150,08 e 01 voto contra a aprovação do PRJ com 65,30% do valor total da classe dos credores com garantia real perfazendo a quantia de R$ 2.625.035,08, num total de créditos de classe de R$ 4.020.185,16;
- Classe III - 22 credores aprovando o PRJ com 63,19% do valor total da Classe III perfazendo a quantia de R$ 6.394.271,20 e 01 voto contra a aprovação do PRJ com 36,81% do valor total dos credores quirografários perfazendo a quantia de R$ 3.725.599,88, num total de créditos da classe de R$ 10.119.871,08.
A possibilidade de aprovação judicial do plano ("cram down"), vem disciplinada no art. 58 da Lei n. 11.101/2005, vejamos:
Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 de sta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I - o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II - a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
III - na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei.
§ 2o A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.
Acerca da aplicação do art. 58, § 1º da Lei n. 11.101/2005, constata-se do caderno processual (fls. 1.090-1.091 / fls. 1.545-1.546 dos autos digitais; fls. 1.964-1.965 / fls. 2.523-2.525 dos autos digitais e fls. 1.993-1.995 / fls. 2.558-2.560 dos autos digitais) que a recuperanda possui credores das três classes: trabalhistas (R$ 20.291,14), com garantia real (R$ 4.020.185,16) e quirografários (R$ 17.549.823,23), totalizando uma dívida de R$ 21.590.299,53.
Iniciada a assembleia geral de credores, conforme manifestação do administrador judicial às fls. 1.886-1.894 (fls. 2.437-2.445 dos autos digitais), retificada às fls. 1.964-1.965 (fls. 2.523-2.525 dos autos digitais), observa-se que após o credenciamento dos credores, foi instalada com a presença de qualquer número dos credores presentes, tendo em vista tratar-se da 5ª convocação, a teor do que dispõe o art. 37, § 2º da Lei n. 11.101/2005, ou seja:
Art. 37. A assembleia será presidida pelo administrador judicial, que designará 1 (um) secretário dentre os credores presentes.
[...]
§ 2º A assembleia instalar-se-á, em 1ª (primeira) convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos critérios de cada classe, computados pelo valor, e, em 2ª (segunda) convocação, com qualquer número.
Constou em referidas manifestações, que dos credores presentes (36 de um total de 86, equivalente a 65,55% da dívida), 100% dos credores trabalhistas (R$ 13.519,93) aprovou o plano; 4 votos (equivalente a 34,70% do valor total da classe com garantia real) anuíram ao PRJ perfazendo a quantia de R$ 1.395.150,08, enquanto 01 voto (do Banco do Brasil) representando 65,30% da classe (R$ 2.625.035,08) foi contra; e 24 credores da classe de quirografários aprovara o PRJ, perfazendo um total de R$ 6.394.271,20, consistindo em 63,19% da classe, ao passo que houve 01 voto contra o plano (do Banco do Brasil) com 36,81% do valor total dos credores quirografários (R$ 3.725.599,88).
Percebe-se assim, que compareceram à assembleia credores com crédito total de R$ 14.153.576,17, sendo que houve aprovação do plano por credores que representam R$ 7.802.941,21, consistente em 55,13% dos credores presentes, satisfazendo o requisito previsto no art. 58, § 1º, I da Lei de regência.
Por outro lado, o mesmo dispositivo no inciso II prevê que a aprovação de duas classes de credores, o que ocorrera no caso concreto, tendo em vista que os créditos trabalhistas (100%) e quirografários (63,19%) anuíram ao PRJ.
Em derradeiro, considerando que o § 1º do citado art. 58 exige a obtenção cumulativa das condições previstas nos três incisos, verifica-se que o III exige que "na classe que houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei".
A respeito da votação do plano de recuperação judicial, a Lei n. 11.101/2005 estabelece:
Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I - titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;
II - titulares de créditos com garantia real;
III - titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
§ 1º Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe prevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente do valor.
§ 2º Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II do caput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso III do caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito.
.
Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.
§ 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.
§ 2º Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Nesta senda, para o preenchimento do terceiro requisito objetivo para fins de aplicação do instituição do cram down, a classe em que se operou a rejeição, deve existir "mais de 1/3 (um terço) dos credores", tantos dos votos "per capita" quanto dos créditos enquadrados naquela classe.
Conforme o Quadro Geral de Credores - Votação noticiado às fls. 1.090-1.091 / fls. 1.545-1.546 dos autos digitais; fls. 1.964-1.965 / fls. 2.523-2.525 dos autos digitais e fls. 1.993-1.995 / fls. 2.558-2.560 dos autos digitais, observa-se que a recuperanda possui 11 (onze) credores trabalhistas que totalizam R$ 20.291,14; 5 (cinco) credores com garantia real no total de R$ 4.020.185,16; e 70 (setenta) credores quirografários cujos créditos montam R$ 2.914.311,00 e 102 (cento e dois) credores quirografários, cujos créditos totalizam R$ 17.549.823,23 e na Assembleia Geral de Credores realizada em 23.02.2015 (5ª convocação), estavam presentes os 7 (sete) credores trabalhistas; 5 (cinco) credores com garantia real e 24 (vinte e quatro) credores da classe quirografária.
Assim, na classe II - com garantia real, 4 (quatro) dos credores com garantia real, que juntos possuem crédito de R$ 1.395.150,08 votaram a favor do plano de recuperação judicial, considerando que tais números (por cabeça) representam em termos percentuais, a aprovação do PRJ por 80% dos credores. Em termos de crédito (valores), os números representam 34,70% dos créditos com garantia real.
Constata-se, assim, que na classe de credores com garantia real, a rejeição ao PRJ ocorreu efetivamente por um terço dos créditos, a teor do que dispõe o art. 58, § 1º, III com o art. 45, § 1º da lei em referência.
Logo, em princípio, poderia o magistrado a quo ter aprovado o plano de recuperação judicial, inobstante rejeitado pela maioria dos credores, seja por cabeça, seja pelo valor dos créditos, eis que presentes os requisitos objetivos exigidos pela legislação.
A este respeito, ensina LUIZ INÁCIO VÍGIL NETO:
Se o plano tiver sido rejeitado pela assembléia geral de credores, o juiz deverá decretar a falência.
Não obstante, o magistrado tem o poder de impor o plano, evitando o decreto falencial, se reconhecer o desempenho de função social pela empresa em crise.
Dentro das diversas propostas debatidas no Congresso brasileiro, prevaleceu a que mitigava o poder do juiz de contrariar a vontade manifestada pelos credores em assembléia. Logo, a imposição do plano rejeitado pelos credores em assembléia não se constitui em um ato de vontade absoluta do juiz, mas vinculado a alguns critérios objetivos. Somente com a presença de todos esses requisitos, poderá o juiz examinar, de forma subjetiva, se a empresa é estrategicamente importante no seu contexto social.
Esses requisitos estão previstos no artigo 58, §§ 1º e 2º, são:
1) aprovação pela maioria dos créditos presentes, independentemente de classes;
2) aprovação em pelo menos duas classes, nos termos do artigo 45, se a assembléia tiver sido composta por três classes, ou por uma classe se no encontro deliberativo somente duas fizeram-se presentes, observando-se que nas classes II e III também haverá duas contagens, de credores e de créditos;
3) na classe que houver rejeitado, ter o plano obtido mais de um terço de votos, de acordo com a regra do artigo 45, ou seja, se for o caso mais de um terço na contagem por crédito;
4) não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que houver rejeitado o plano.
Em relação a este último requisito, quis o legislador garantir que fosse aprovado o mesmo plano, não permitindo barganhas, favorecimentos ou reprimendas aos credores da classe que rejeitou o plano.
Se todos esses requisitos estiverem presentes, passará o magistrado a analisar o desempenho da função social pela empresa. Na idéia de função social, adotou-se o princípio da relevância do ente econômico em seu contexto social. Dessa forma, a função social não se mede por atividades sociais ou filantrópicas, mas pela importância da empresa no contexto de sua operação econômica nacional, estadual, regional ou local, na geração de emprego e riqueza.
A ausência de um dos requisitos do artigo 58, §§ 1º e 2º, ou o não-reconhecimento de função social, resultará na decretação da falência. (em Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n. 11.101/05, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pp.172-173)
Contudo, como se pode observar, a aplicação do cram down não é absoluta, até porque tal instituto decorre da mitigação da lei, uma vez que a rejeição do plano pela assembleia geral de credores é, preponderantemente, soberana.
Da mesma forma, a presença dos pressupostos legais não garante à recuperanda o suprimento judicial a fim de aprovar o plano de recuperação judicial elaborado, tendo em vista a existência do requisitos subjetivos para a adoção de tal procedimento, ou seja, a função social da sociedade empresária no contexto social em que instalada e a sua relevância econômica na comunidade.
A este respeito, FABIO ULHOA COELHO ensina:
Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. [...] Não se pode erigir a recuperação das empresas um valor absoluto. Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo. Em muitos casos - eu diria, na expressiva maioria deles - se a crise não encontrou uma solução de mercado, o melhor para todos é a falência, com a realocação em outras atividades econômicas produtivas dos recursos materiais e humanos anteriormente empregados na da falida.
Em outros termos, somente as empresas 'viáveis' devem ser objeto de recuperação judicial ou extrajudicial. Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, em qualquer recuperação de empresa não derivada de solução de mercado, o devedor que a postula deve mostrar-se digno do benefício. Deve mostrar, em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando recuperada, pelo menos em parte o sacrifício feito para salvá-la. Essas condições agrupam-se no conceito de viabilidade da empresa, a ser aferida no decorrer do processo de recuperação judicial ou na homologação da recuperação extrajudicial. (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 186-188.)
Salienta-se, ainda, que "a recuperação judicial tem por finalidades imediatas a preservação dos negócios sociais, a continuidade do emprego e a satisfação dos direitos e interesses dos credores e, por finalidades mediatas, estimular a atividade empresarial, o trabalho humano e a economia creditícia" (Jorge Lobo em Comentários à Lei Recuperação de Empresas e Falência. Coordenadores Paulo F. C. Salles de Toledo, Carlos Henrique Abrão. - 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2012, p. 176).
Prossegue o autor:
No caso da recuperação judicial, a assembleia geral de credores e o juiz da causa deverão entregar-se à "ponderação de fins" - salvar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos -, pelo princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, quando, então, talvez, venham a concluir que o caso concreto exige o "sacrifício", p. ex.: (a) do interesse da empresa e de seus sócios ou acionistas em benefício de empregados e credores ou (b) dos direitos de empregados e credores em prol da empresa, pois, como ressaltam os franceses, os processos concursais são "procedimentos de sacrifício", que limitam os poderes do devedor e restringem os direitos dos credores.
Deverão, ao mesmo tempo, empenhar-se na "ponderação de princípios" - o da conservação e da função social da empresa, o da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho e o da segurança jurídica e da efetividade do Direito -, por meio do "teorema de colisão" de Alexy, para o qual, diante de um choque de princípios, as circunstâncias fáticas determinarão qual deve prevalecer, pois "possuem uma dimensão de peso", verificável caso a caso. (Ob. Citada, p. 176)
Tecidas tais ilações, volvendo ao caso concreto, em que pese as alegações articuladas pela agravante/recuperanda/falida, tem-se que o juízo a quo trilhou o melhor caminho em convolar a recuperação judicial em falência.
É que, em detida análise da documentação acostada no bojo do processado, observa-se às fls. 1.463-1.477 / fls. 1.973-1.990, que a representante legal da empresa agravante, mesmo após iniciado o processo de recuperação judicial, declara ter vendido toda a sua bacia leiteira para outra empresa, no valor aproximado de R$ 2.400.000,00, referente a 45 dias de coleta de leite entre os dias 01/03/2014 e 17/04/2014. Relatou que como a aludida empresa compradora demonstrava interesse em adquirir a recuperanda, cedeu as suas instalações para que, por esta outra, fossem fabricados outros produtos lácteos, pagando-lhe (à recuperandoa/falida) certa quantia a título de prestação de serviço, repassando-lhe a posse das instalações de sua empresa "até porque estava com quase todas as atividades de sua empresa paradas".
Verifica-se, ainda, em referidos documentos, todos acostados pelo Parquet, que a licença ambiental de operação encontrava-se vencida, desde 22.11.2014, sem pedido de renovação no órgão ambiental competente, determinando, a Fatma, o embargo de toda a atividade exercida pela empresa.
Constata-se que a determinação foi ignorada pela empresa, ensejando a aplicação de multa diária no valor de R$ 6.000,00 pelo descumprimento (fls. 1.997-1.999n dos autos digitais).
Ou seja, a agravante, mesmo após o deferimento do processamento da recuperação judicial, realizava transações relacionadas à empresa sem autorização do juízo, atuação temerária para cumprimento das dívidas que judicialmente buscava negociar para manter o "funcionamento" da atividade empresarial, ainda que com licenças vencidas.
Percebe-se que o juízo a quo, antes de proferir sentença decretando a quebra da agravante, determinou à fl. 1.966 / fl. 2.526 dos autos digitais a juntada ao feito de relatório de viabilidade econômica da empresa contendo a discriminação de todos os credores, relação de todos os débitos fiscais, faturamento da empresa dos últimos 6 meses, relação de todos funcionários da empresa e descrição de todos os veículos, imóveis e máquinas utilizadas a linha de produção.
A aludida documentação foi apresentada às fls. 1.982-2.096 / fls. 2.547-2.661 dos autos digitais, de onde se retira que à fl. 2.000 / fl. 2.565 dos autos digitais a empresa nos 6 meses que antecederam a sentença teria faturado a monta de R$ 6.442.389,80. Entretanto, como bem salientado pelo juízo sentenciante, qual teria sido a destinação do referido montante, na medida em que restou infrutífera ordem de bloqueio de numerário nos autos da Ação Civil Pública n. 0900003-15.2015 realizada em 19.03.2015, demonstrando, assim, a inexistência de transparência e clareza a ensejar a boa-fé da representante legal da sociedade empresária em efetivar o plano de recuperação judicial supostamente aprovado pelo judiciário.
Observa-se que as razões recursais da agravante não justifica a destinação do faturamento.
Da mesma forma, a questão referente ao débito fiscal da recorrente, que conforme informado pela empresa no PRJ à fl. 1.413 / fl. 1.929 dos autos digitais foi estimado em R$ 6.400.000,00, sem qualquer indício de proposta de parcelamento perante as fazendas públicas, na forma do art. 68 da LRJ ou mesmo pagamento parcial da dívida.
Consoante as lições de JOSÉ DA SILVA PACHECO, as execuções fiscais não ficam suspensas pelo deferimento da recuperação judicial e prosseguem, regularmente, nas respectivas varas (em Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 226). A suspensão do débito fiscal só ocorre com o parcelamento da dívida que sequer foi proposta pela recorrente, conforme afirma em suas razões recursais, o que, do contrário, possibilitar-lhe-ia a juntada das certidões negativas de débitos fiscais, atendendo-se, assim, o disposto no art. 57 da Lei de regência.
Em relação ao patrimônio existente, a recorrente alega que seu patrimônio seria de R$ 6.8 milhões e não de R$ 850.000,00, conforme indicado na sentença, eis que não teriam sido consideradas as garantias legais da Caixa Econômica Federal de débitos sujeitos à recuperação judicial. Acontece que "os credores conservam, na recuperação judicial, as garantias em face de terceiros" (STJ, AgInt no AREsp n. 1119131/RJ, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 10.04.2018)
Por fim, o imóvel sede da empresa recorrente foi-lhe doado pelo Município de Lindóia do Sul, em consideração à importância social e econômica de sua atuação na cidade. Contudo, a legalidade do ato está sendo discutida em ação civil pública n. 0900003-15.2015, fato este que como bem apontada na sentença vergastada não pode ser ignorado.
Por todas estas razões, é possível concluir que os requisitos subjetivos não se fazem presentes a convencer este colegiado em aplicar o instituto cram down e homologar o plano de recuperação judicial, em detrimento da decisão soberana da assembleia geral de credores que rejeitou o mesmo.
Neste sentido colhe-se da jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PELOS CREDORES. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. "CRAM DOWN". IMPOSSIBILIDADE. CASO CONCRETO.
1. A decisão de rejeição do plano de recuperação judicial tomada pelos sócios em Assembleia Geral de Credores é soberana, podendo o Juiz impor sua aprovação somente na hipótese de preenchimento dos requisitos previstos no art. 58, §§1º e 2º, da Lei n. 11.101/2005, inocorrente na espécie.
2. Rejeição da alegação de nulidade da AGC. Ausência de indícios de irregularidade na conduta do Sr. Administrador Judicial, bem como de abusividade dos votos dos credores que decidiram pela rejeição do plano.
3. Empresa com atividades encerradas desde maio de 2017. Convolação da recuperação judicial em falência. Manutenção da decisão recorrida.
RECURSO DESPROVIDO. (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70075902296, 5ª Câmara Cível, Relatora Des. Lusmary Fátima Turelly da Silva, julgado em 28.3.2018)
Não foi possível constatar, assim, a função social da empresa diante das interferências realizadas pela representante legal sem autorização do juízo na administração da empresa, assim como da ausência de transparência em relação ao seu faturamento.
Importante salientar que, conforme informações prestadas pela administradora judicial da massa falida de fls. 2.787-2.788 dos autos digitais de primeira instância, verifica-se que as atividades da empresa foram suspensas quando da publicação da sentença que decretou a falência (16.9.2015 - fls. 2.110-2.111 / fls. 2.677-2.678 dos autos digitais).
Ante o exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação supra.
Este é o voto.