Assim, cabe ao devedor expor fundamentadamente as razões da situação de crise experimentada de forma apta a demonstrar seu interesse em perseguir a concessão da recuperação e a adequação do meio processual eleito".
Certo é que a Lei nº 11.101/05, em seu art. 51, inciso I, exige que a empresa indique, de forma detalhada, as causas que levaram a sua crise econômica, não lhe sendo possível, nesta fase inicial do procedimento, a utilização de expressões genéricas.
A observação ao aludido requisito é de suma importância para que os credores tomem ciência da real situação financeira da empresa e possam decidir, em momento oportuno, sobre o plano para o reerguimento e a reestruturação societária.
A respeito da matéria, a lição de Frederico Augusto Monte Simionato:
"Esta indicação deve ser precisa, sem a utilização de subterfúgios ou termos amplos que não dizem nada sobre a verdadeira causa da crise, como a administração temerária, incompetência ampla, geral e irrestrita dos sócios ou administradores etc.
O importante a mencionar é que quanto mais cedo foi determinada a causa da crise econômica maiores serão as chances de recuperação da empresa. E quanto mais acertado for o diagnóstico da causa da crise, da mesma forma, aumentam as chances de sua recuperação.
Com sabedoria afirma Nelson Abrão: 'Explicitado que a finalidade precípua dos procedimentos concursais consiste em enfrentar a crise econômica da empresa, numa tentativa de recuperação, delineia-se como fundamental o exato conhecimento de sua situação econômico-financeira para que se possa determinar, de modo racional, a atitude a tomar em relação ao patrimônio e aos dirigentes. Justamente pode não prever esta medida, por abstrair do aspecto econômico, é que nossos procedimentos concursais desaguaram nesse grande vazio, redundando em fracasso que lhes compromete a própria razão de ser. Assolada a empresa em crise econômica, buscando a organização judiciária para debelá-la, salta à evidência a importância de um diagnóstico, que revelará as causas, o estado atual e a atitude a tomar em relação ao patrimônio e às pessoas responsáveis'". (in Tratado de Direito Falimentar, p. 156. Editora Forense - 2.008).
Íntegra do acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO EMPRESARIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS DOS ARTS. 48 E 51, AMBOS DA LEI Nº 11.101/05. EXPOSIÇÃO DAS CAUSAS CONCRETAS DA CRISE FINANCEIRA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. CUMPRIMENTO.
- Para o regular processamento do pedido de recuperação judicial, deverá a sociedade empresária observar os requisitos ditados pelos arts. 48 e 51, ambos da Lei nº 11.101/05.
- Esclarecidas, pela sociedade empresária, de forma satisfatória, as causas concretas de sua crise econômico-financeira, o pedido de recuperação deverá ser regularmente processado, cabendo ao magistrado a apreciação da presença dos demais requisitos legais, para que possa, então, deferir - ou não - o aludido pleito.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.19.081205-7/001 - COMARCA DE LEOPOLDINA - APELANTE(S): COUTINHO E COUTINHO ARTESANATOS LTDA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO.
DESA. ANA PAULA CAIXETA
RELATORA.
DESA. ANA PAULA CAIXETA (RELATORA)
V O T O
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a sentença encartada no documento de ordem nº 62, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Leopoldina, Dr. Breno Rego Pinto Rodrigues da Costa, que, nos autos do Pedido de Recuperação Judicial requerido por Coutinho e Coutinho Artesanatos Ltda., indeferiu a petição inicial e julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inciso I, do Código de Processo Civil. O pedido de gratuidade de justiça formulado pela autora foi indeferido.
Em suas razões recursais, a autora, doravante denominada apelante, pleiteou, liminarmente, pela concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.
Relatou que "preenche todos os requisitos insertos no art. 48 da Lei nº 11.101/05 para pleitear sua Recuperação Judicial", estando comprovados documentalmente, nos termos do art. 51 do referido diploma legal; que "preenchidos formalmente todos os requisitos para o deferimento do pleito, descabe o julgador se imiscuir subjetivamente quanto ao cabimento - ou não - do deferimento".
Disse que "na fase de análise do deferimento, ou não, do processamento do pedido de Recuperação judicial, cabe tão-somente avaliar o preenchimento dos requisitos formais traçados pelo art. 48 c/c 51, Lei nº 11.101/05, sendo vedada a análise do mérito da Recuperação Judicial, a saber, a viabilidade econômica da empresa"; que "cumpriu fielmente o inciso I, art. 51, Lei n. 11.101/05, relatando o cenário fático que deu origem à crise econômico-financeira, seguido da exposição de sua atual situação patrimonial, demonstrando tudo nos documentos anexados ao processo".
Defendeu ter demonstrado o preenchimento dos requisitos objetivos trazidos pelo art. 48 da Lei nº 11.101/05, comprovando, também, que "seu administrador pessoa física jamais foi condenado por crime algum, possuindo apenas ações cíveis em face de si"; que "possuía aprovação de seu sócio para a distribuição do pedido".
Ao final, pugnou fosse conhecido e provido o recurso de apelação, deferindo-se o processamento do pedido de Recuperação Judicial.
Considerando os balanços patrimoniais apresentados pela apelante, defiro-lhe os benefícios da Justiça Gratuita, para fins recursais.
Conheço do recurso de apelação, porquanto presentes os seus pressupostos de admissibilidade.
Da atenta leitura dos autos, verifica-se que a apelante apresentou pedido de Recuperação Judicial, tendo sido a ela determinada, por meio do despacho encartado no documento de ordem nº 54, a emenda da petição inicial, nos termos do art. 51, inciso I, da Lei nº 11.101/05, que assim dispõe:
Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I - a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
Após a manifestação apresentada pela apelante nos documentos de ordem nº 56 e 57, sobreveio a sentença terminativa, que apontou o descumprimento, pela apelante, do supratranscrito dispositivo legal. O douto magistrado primevo, ao indeferir a peça de ingresso, compreendeu, essencialmente, que:
"(...) para que o devedor tenha interesse em ingressar em juízo pleiteando os benefícios da recuperação judicial e demonstre a adequação do procedimento, faz-se necessário que se encontre em situação de crise, caso contrário não há que se falar em aplicação das disposições da Lei nº. 11.101/2005, que representa o microssistema jurídico de tutela da empresa em situação, justamente, de crise econômico-financeira passageira.
Assim, cabe ao devedor expor fundamentadamente as razões da situação de crise experimentada de forma apta a demonstrar seu interesse em perseguir a concessão da recuperação e a adequação do meio processual eleito".
Certo é que a Lei nº 11.101/05, em seu art. 51, inciso I, exige que a empresa indique, de forma detalhada, as causas que levaram a sua crise econômica, não lhe sendo possível, nesta fase inicial do procedimento, a utilização de expressões genéricas. A observação ao aludido requisito é de suma importância para que os credores tomem ciência da real situação financeira da empresa e possam decidir, em momento oportuno, sobre o plano para o reerguimento e a reestruturação societária.
A respeito da matéria, a lição de Frederico Augusto Monte Simionato:
"Esta indicação deve ser precisa, sem a utilização de subterfúgios ou termos amplos que não dizem nada sobre a verdadeira causa da crise, como a administração temerária, incompetência ampla, geral e irrestrita dos sócios ou administradores etc.
O importante a mencionar é que quanto mais cedo foi determinada a causa da crise econômica maiores serão as chances de recuperação da empresa. E quanto mais acertado for o diagnóstico da causa da crise, da mesma forma, aumentam as chances de sua recuperação.
Com sabedoria afirma Nelson Abrão: 'Explicitado que a finalidade precípua dos procedimentos concursais consiste em enfrentar a crise econômica da empresa, numa tentativa de recuperação, delineia-se como fundamental o exato conhecimento de sua situação econômico-financeira para que se possa determinar, de modo racional, a atitude a tomar em relação ao patrimônio e aos dirigentes. Justamente pode não prever esta medida, por abstrair do aspecto econômico, é que nossos procedimentos concursais desaguaram nesse grande vazio, redundando em fracasso que lhes compromete a própria razão de ser. Assolada a empresa em crise econômica, buscando a organização judiciária para debelá-la, salta à evidência a importância de um diagnóstico, que revelará as causas, o estado atual e a atitude a tomar em relação ao patrimônio e às pessoas responsáveis'". (in Tratado de Direito Falimentar, p. 156. Editora Forense - 2.008)
No caso em apreço, com a devida vênia, entendo que a apelante cumpriu, de forma satisfatória, o pressuposto trazido pelo art. 51, inciso I, da Lei nº 11.101/05, dedicando, em sua petição inicial, capítulo próprio para a descrição das causas de sua crise econômico-financeira:
"Da Situação Patrimonial e da Crise Econômico-Financeira
A Requerente está, no presente momento, passando por uma aguda crise econômico-financeira. Isto, em razão da conjunção de diversos fatores, tais como (i) crise nacional do mercado de crédito, com elevadas taxas de juros a inviabilizar a sustentabilidade de seu passivo bancário, reprimindo a demanda por serviços e (ii) limitações do custo de serviços, devido a queda da procura no mercado.
A conjugação destes fatores levou a restrição ao acesso às linhas de crédito para a recomposição regular de seu capital de giro, dificultando ainda mais a operação da Requerente. Ou seja Exa., a Requerente, apesar de ter confiança na sua capacidade produtiva e na consequente capacidade de pagamento de suas dívidas, encontra-se num momento crítico de necessidade de caixa para continuar seus negócios e investimentos em sua atividade.
Neste cenário, mostra-se absolutamente necessário o processamento e concessão da presente recuperação judicial para (i) dar credibilidade e transparência aos
documentos contábeis e societários da Requerente e (ii) equacionar seu endividamento, alargando prazos de vencimento e renegociando suas dívidas de curto prazo".
Ato contínuo, após intimação para emendar a exordial, a apelante esclareceu outros pontos de sua crise econômica, referentes à queda de seu faturamento, durante o período compreendido entre 2.015 e 2.018:
"Na inicial, aduziu-se que a Requerente está, no presente momento, passando por uma aguda crise econômico-financeira. Isto, em razão da conjunção de diversos fatores gerais a todos, tais como (i) crise nacional do mercado de crédito, com elevadas taxas de juros a inviabilizar a sustentabilidade de seu passivo bancário, reprimindo a demanda por serviços e (ii) limitações do custo de serviços, devido a queda da procura no mercado.
Especificamente em relação à requerente, e em atendimento ao comando de V. Exa., traz aos autos os balanços consolidados dos últimos exercícios sociais, (docs. Anexos), onde se demonstra que, entre 2015 e 2018 a autora experimentou uma queda de faturamento de mais de R$ 130.000,00 anuais em termos nominais. Ou seja: em termos reais, o faturamento teve uma queda de quase cinquenta por cento no período, o que fez com que o resultado contábil do último exercício tenha apontado um prejuízo de R$ 265.163,60.
Ou seja: as causas gerais apontadas na inicial são comprovadas pelos resultados particulares da autora, que indicam a necessidade segura de readequar o pagamento de seu passivo, dentro de sua atual capacidade de pagamento, sob pena de perecimento do empreendimento".
Com efeito, foram apresentadas, como causas concretas da situação financeira precária da apelante: (I) dificuldade para obtenção de financiamento bancário, em razão das altas taxas de juros praticadas pelas instituições; (II) declínio da procura pelos produtos ofertados no mercado de consumo; (III) queda do faturamento, em aproximadamente 50% (cinquenta por cento), no período compreendido entre 2.015 e 2.018.
Dessa forma, não havia razão para que a petição inicial fosse indeferida, com fundamento no descumprimento do art. 51, inciso I, da Lei nº 11.101/05, devendo ser privilegiado, neste momento, o princípio que resguarda a continuidade da atividade empresarial, conforme preconizado no art. 47 da mencionada lei.
Lado outro, não é possível, desde já, o deferimento do pedido de recuperação judicial, devendo ser apreciado pelo ilustre juiz o preenchimento dos demais requisitos listados pelos arts. 48 e 51, ambos da Lei nº 11.101/05.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, para cassar a sentença e determinar o regular processamento do pedido de recuperação judicial formulado pela apelante.
Custas na forma da lei.
DES. RENATO DRESCH - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. KILDARE CARVALHO - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO"