Bruno Oliveira Castro Cristiano Imhof

LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA INTERPRETADO

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TJMG. O artigo 49 da Lei Federal n. 11.101/2005 deixa claro que não são todos os credores que se submetem às consequências do regime de recuperação judicial da empresa devedora, mas apenas aqueles cujos créditos existirem na data do pedido

Data: 12/02/2019

Embora o evento danoso e a distribuição da ação indenizatória sejam anteriores ao pedido de recuperação judicial da demandada, o direito perquirido somente foi reconhecido procedente com decisão transitada em julgado em data posterior, razão pela qual o crédito exequendo é extraconcursal, não havendo que se falar em extinção da execução.

Íntegra do acórdão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - IMPUGNAÇÃO - PEDIDO DE EXTINÇÃO DO FEITO COM SUJEIÇÃO DO CRÉDITO EXEQUENDO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA DEMANDADA - IMPOSSIBILIDADE - CRÉDITO EXTRACONCURSAL CONSTITUÍDO EM DATA POSTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO.

- O artigo 49 da Lei nº 11.101/05 deixa claro que não são todos os credores que se submetem às consequências do regime de recuperação judicial da empresa devedora, mas apenas aqueles cujos créditos existirem na data do pedido.

- Embora o evento danoso e a distribuição da ação indenizatória sejam anteriores ao pedido de recuperação judicial da demandada, o direito perquirido somente foi reconhecido procedente com decisão transitada em julgado em data posterior, razão pela qual o crédito exequendo é extraconcursal, não havendo que se falar em extinção da execução.

AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0024.14.172808-9/007 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): CÉLIO FARIA INSTITUTO DE BELEZA & NOIVAS LTDA - ME - AGRAVADO(A)(S): CR INVEST PARTICIPAÇÕES E BENS LTDA.

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. MOTA E SILVA.

RELATOR.

DES. MOTA E SILVA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto pela OI Móvel S/A. (Way TV e TNL PCS S/A.) - Sociedade Empresária em Recuperação Judicial, em face da decisão de fls. 107/108 TJ, proferida pelo MMº. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Varginha, Augusto Moraes Braga, que, nos autos do Cumprimento de Sentença movido por Elizabeth Aparecida Cândido, rejeitou a impugnação de fls. 93/101-TJ, ao argumento principal de que o crédito exequendo é extraconcursal.

Às razões de fls. 02/16-TJ, a parte insurgente alega, em síntese, que o crédito exequendo refere-se a débito concursal, ou seja, sujeito ao plano de recuperação judicial, tendo em vista que o fato gerador da reclamação (negativação datada de 04/02/2014) é anterior ao pedido de recuperação (20/06/2016).

Nesse viés, afirma que, conforme entendimento jurisprudencial, o dever de indenizar surge com o evento danoso, não devendo ser considerada a data de liquidação como data base para a constituição do crédito.

Discorre sobre o princípio da preservação da empresa e sobre a competência exclusiva do juízo da recuperação judicial, defendendo, assim, a sujeição do crédito em voga ao plano de recuperação já homologado.

Com essas considerações, pugna pela antecipação da tutela recursal e, ao final, pelo provimento do recurso, extinguindo-se a presente execução com a expedição de certidão de crédito no valor de R$8.062,75.

O efeito ativo pleiteado foi indeferido pelo Des. Arnaldo Maciel à decisão de fls. 168/169-TJ, cuja atuação se deu pautada no que estabelece o artigo 79 do RITJMG.

Apesar de devidamente intimada, o prazo transcorreu in albis sem que a parte agravada apresentasse contraminuta. É o que se encontra certificado às fls. 171-TJ.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à sua apreciação.

Versam os autos sobre Cumprimento de Sentença movido pela ora agravada em desfavor da sociedade ora agravante, referente à condenação contida no acórdão de fls. 77/85-TJ, cujo dispositivo transitou em julgado em 11/08/2017 nos seguintes termos:

"Mediante tais fundamentos, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para declarar inexistente o débito apontado na inicial, determinando à ré que proceda a exclusão do nome da Autora no SPC, relativo ao débito de R$301,84 (trezentos e um reais e oitenta e quatro centavos) - fls. 19, sob pena de multa diária no valor de R$500,00 até o limite de R$10.000,00, condenando ainda a Ré ao pagamento de R$7.000,00 (sete mil reais), a título de danos morais, corrigidos a partir da publicação do acórdão, com incidência de juros de mora, a partir da citação."

A executada, partindo do pressuposto de que o dever de indenizar surgiu com o evento danoso, isto é, com a negativação lançada sobre o nome da autora/exequente em 04/02/2014, pretende seja extinta a presente execução, dada a anterioridade do crédito exequendo com relação à data em que formulou seu pedido de recuperação judicial.

Por outro lado, o magistrado entendeu que se trata de crédito extraconcursal, constituído após a recuperação judicial da demandada, não se sujeitando, portanto, ao plano respectivo. Essa é a decisão agravada (fls. 107/108-TJ).

Pois bem.

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a recuperação judicial da empresa recorrente foi requerida em 20/06/2016, tendo sido o seu processamento deferido pelo juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro em 29/06/2016, conforme decisão de fls. 117/124-TJ.

Sabe-se que os processos que cuidam de créditos concursais (constituídos antes do pedido da recuperação - 20/06/2016) deverão ser extintos e pagos na forma do plano aprovado, enquanto que as ações alusivas a créditos extraconcursais, ou seja, constituídos após a referida data, tramitarão regularmente.

Sobre o tema, esclarece o autor Fábio Ulhoa Coelho, em seu livro Comentários a Lei de Falências e Recuperação de Empresas da Editora Saraiva, pág. 147:

"A recuperação atinge como regra, todos os credores existentes ao tempo da impetração do benefício. Os credores cujos créditos se constituírem depois de o devedor ter ingressado em juízo com o pedido de recuperação judicial estão absolutamente excluídos dos efeitos deste. Quer dizer, não poderão ter os seus créditos alterados ou novados pelo plano de recuperação judicial. (...)"

Em consonância, o artigo 49 da Lei nº 11.101/05 deixa claro que não são todos os credores que se submetem às consequências do regime de recuperação judicial da empresa devedora, mas apenas aqueles cujos créditos existirem na data do pedido.

Diante disso, a meu ver, embora a negativação que culminou na condenação da agravante tenha ocorrido em fevereiro de 2014 e a presente ação tenha sido ajuizada em 2015 - em datas anteriores ao pedido de recuperação judicial da demandada -, fato é que o direito discutido na ação indenizatória em voga somente foi reconhecido procedente em data posterior, em decisão transitada em julgado em agosto de 2017, com pedido de cumprimento de sentença em 26/09/2017.

Em outras palavras, não obstante o dever de indenizar tenha de fato surgido com o evento danoso, não havia nenhum crédito constituído em favor da autora quando do pedido de recuperação judicial da ré, afinal, repito, tal constituição somente se deu com a sentença condenatória de fls. 77/85-TJ, antecedida por mera expectativa de direito.

Embora seja notória a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da matéria, tem sido nesse sentido o entendimento majoritário deste Egrégio Tribunal, considerando o trânsito em julgado da decisão exequenda como sendo a data de constituição do crédito em desfavor da recuperanda:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO CONSTITUÍDO POSTERIORMENTE. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. - Nos termos do art. 49 da Lei nº 11.101/2005 somente estarão sujeitos ao plano de recuperação judicial os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. - Os créditos constituídos em data posterior à distribuição do pedido de recuperação judicial não se sujeitam aos seus efeitos, razão pela qual o prosseguimento da fase de execução é medida de rigor. (V.V.) "O art. 6º da Lei 11.101/05 dispõe que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, sendo, a suspensão, pelo prazo improrrogável de 180 dias." (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0035.14.008445-6/002, Relator(a): Des.(a) Evangelina Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/11/0017, publicação da súmula em 17/11/2017).

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO CONSTITUÍDO POSTERIORMENTE AO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. - Tendo sido o crédito executado constituído após o pedido e o deferimento da recuperação judicial das agravadas, não se sujeita aos seus efeitos, nos termos do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, sendo indevida a suspensão da execução. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.17.011710-5/001, Relator(a): Des.(a) Luiz Artur Hilário , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/08/0017, publicação da súmula em 03/08/2017).

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUTADA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO APÓS PEDIDO DE RECUPERAÇÃO. COMPETÊNCIA. ARTIGO 49, CAPUT, DA LEI Nº 11.101/05. - Com fulcro no artigo 49 da Lei nº 11.101/05, tem-se que, se o crédito objeto do cumprimento de sentença foi constituído após o pedido de recuperação judicial formulado pela agravada, este não se submete ao plano de recuperação judicial e, portanto, não determina a competência daquele Juízo. (Desembargador Alexandre Santiago) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NO JUÍZO DE ORIGEM - IMPOSSIBILIDADE - EXECUÇÃO - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - RECURSO NÃO PROVIDO. 1) O art. 49 da Lei 11.101/2005 prevê que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos anteriores ao regime recuperatório, considerada a data de distribuição da recuperação, ainda que não vencidos. 2) A aprovação do plano de recuperação judicial da empresa devedora e sua homologação em Juízo implicam em novação dos créditos anteriores ao pedido de recuperação e na vinculação do crédito ao plano, conforme art. 59 da Lei 11.101/2005. 3) O crédito, inclusive de natureza indenizatória, constituído posteriormente ao deferimento da recuperação judicial deve submeter-se ao processo de recuperação, ao invés de ser perseguido por medidas judiciais em juízos diversos, uma vez que implicaria em oneração de bens da sociedade recuperanda, descontrole na negociação e pagamento de credores, além do desestímulo para o equacionamento do estado de crise econômico-financeira. (V.v. Desembargador Marcos Lincoln) (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0702.12.040736-7/001, Relator(a): Des.(a) Marcos Lincoln , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/02/2016, publicação da súmula em 29/02/2016).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO APÓS O AJUIZAMENTO- HABILITAÇÃO DO CRÉDITO NO JUÍZO FALIMENTAR - NÃO CABIMENTO - ARTIGO 49, CAPUT, DA LEI Nº 11.101/05. - Se o crédito objeto do cumprimento de sentença foi constituído após o pedido de recuperação judicial formulado pela empresa executada, ele não se submete aos autos do processo recuperatório. Inteligência do artigo 49, caput, da Lei nº 11.101/05. - Ao tempo em que a ação de indenização foi proposta pelo autor, não havia crédito constituído em favor dele, mas apenas a expectativa de que o alegado cometimento de ato ilícito pela empresa requerida ensejasse a pretendida sentença de natureza declaratória, constitutiva e condenatória. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0697.06.000476-2/002, Relator(a): Des.(a) Paulo Balbino , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/09/2015, publicação da súmula em 15/09/2015).

A propósito, também coligi alguns julgados dos tribunais pátrios:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. OI S/A. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO PERANTE JUÍZO UNIVERSAL. IMPOSSIBILIDADE. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL CONSTITUÍDO EM DATA POSTERIOR AO DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES REALIZADA. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTÓRIO PERANTE O JUÍZO CÍVEL. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70076932367, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em 25/04/2018). (TJ-RS - AI: 70076932367 RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Data de Julgamento: 25/04/2018, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/04/2018).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DEVEDORA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO CONSTITUÍDO APÓS O DEFERIMENTO DO FAVOR LEGAL. SUSPENSÃO INDEVIDA DO PROCESSO. 1. "ESTÃO SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL TODOS OS CRÉDITOS EXISTENTES NA DATA DO PEDIDO, AINDA QUE NÃO VENCIDOS" (ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005). EM OUTRAS PALAVRAS, OS CRÉDITOS SUBMETIDOS AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL SÃO AQUELES CONSTITUÍDOS ATÉ A DATA DO PEDIDO DO BENEFÍCIO LEGAL. 2. IN CASU, EMBORA A AÇÃO INDENIZATÓRIA TENHA SIDO AJUIZADA ANTES DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, O QUAL FOI DEFERIDO EM 11/11/2008, O CRÉDITO EXEQUENDO FOI CONSTITUÍDO DEFINITIVAMENTE EM 25/6/2013 - DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESSA FORMA, NÃO ESTANDO DEVIDAMENTE CONSTITUÍDO QUANDO DO DEFERIMENTO DO PEDIDO, O CRÉDITO DA AGRAVANTE NÃO ESTÁ SUJEITO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, SENDO, PORTANTO, DESCABIDA A SUSPENSÃO DO PROCESSO E A NECESSIDADE DE HABILITAÇÃO DO CRÉDITO. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-DF - AGI: 20140020012736 DF 0001281-34.2014.8.07.0000, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 14/05/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/05/2014 . Pág.: 102).

Por todo o exposto, na medida em que o crédito exequendo "in casu" foi constituído e liquidado em data posterior ao pedido de recuperação judicial da empresa requerida, não merece qualquer reparo a decisão hostilizada.

Deste modo, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas recursais ao final, na forma da lei.

DES. ARNALDO MACIEL - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOÃO CANCIO - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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