É, nesta linha de raciocínio, adequado e oportuno o ensinamento de JOSÉ DA SILVA PACHECO, para quem o escopo da Lei 11.101, de 2005, foi "atender os anseios e tendências manifestas na segunda metade do século XX e princípio deste século XXI, no sentido de salvaguardar a empresa, que tem uma função social e, por isso, deve subsistir às crises, em benefício dos que nela trabalham, da comunidade em que atua, dos mercados de fatores de produção e de consumo do local, da Região, do Estado e do País" (A Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas - Lei nº 11.101⁄05 - Forense - 2006 - Coordenador PAULO PENALVA SANTOS - pág. 5).
Confira, a seguir, a íntegra deste v. acórdão:
Acórdão: AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.008.393 - RJ (2008⁄0011535-8).
Relator: Min. Fernando Gonçalves.
Data da decisão: 05.08.2008.
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.008.393 - RJ (2008⁄0011535-8)
RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
AGRAVANTE: NKB RIO S⁄A
ADVOGADO: GUILHERME VIEIRA ASSUNÇÃO E OUTRO(S)
AGRAVADO: CASA DE PORTUGAL - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADO: DAVID FREITAS LEVY E OUTRO(S)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. 1. Em virtude da questão já ter sido analisada pela Quarta Turma desta Corte, em votação unânime, é que a decisão foi proferida singularmente. 2. As razões apresentadas pela agravante não são suficientes para afastar as conclusões do julgado recorrido. 3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Ministro Relator.
Brasília, 05 de agosto de 2008. (data de julgamento)
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.008.393 - RJ (2008⁄0011535-8)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Cuida-se de agravo regimental interposto por NKB RIO S⁄A em face de decisão assim vazada:
"Trata-se de agravo de instrumento interposto por CASA DE PORTUGAL - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL contra decisão da Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro indeferindo o processamento de recurso especial com fundamento no art. 105, inciso III, letra "a", da Constituição Federal, manejado frente a acórdão daquele Pretório, integrado por embargos de declaração, assim ementado:
"RECUPERAÇÃO JUDICIAL - SOCIEDADE CIVIL COM CARÁTER FILANTRÓPICO E SEM FINS LUCRATIVOS - NÃO OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO - NO ASPECTO MERITÓRIO, CONSTATA-SE INAPLICABILIDADE DO REGIME DA LEI 11.101⁄2005 - PLEITO DE RECUPERAÇÃO REJEITADO - Afastamento da alegação de preclusão, uma vez que o agravante recorre da decisão que concedeu a recuperação judicial à agravada, não da decisão que deferiu o processamento. No aspecto meritório, averbe-se que o processamento da recuperação judicial pressupõe apresentação da certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas. Natureza associativa da agravada, enfatizado o caráter filantrópico e beneficente de suas atividades destituídas de fins lucrativos. Arquivamento dos atos constitutivos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Não menos relevantes são as imunidades e⁄ou isenções tributárias usufruídas pela agravada no regime das entidades sem fins lucrativos, a exemplo do imposto sobre a renda e outros tributos que lhe sejam exigidos, não lhe sendo lícito pretender agora colher benefícios de um regime de cujo ônus se desviou deliberadamente. Ademais, no regime da falência e da recuperação judicial perquire-se a responsabilidade pessoal dos sócios nas hipóteses elencadas na lei de regência, fator de oneração jurídica também não assumido pela mesma agravada ao optar pelo regime mencionado. Inaplicabilidade das disposições da Lei nº 11.101⁄05, devendo-se observar as regras do capítulo IV do Código de Processo Civil. Rejeição da preliminar e provimento ao recurso." (fls. 95⁄96)
Sustenta a recorrente violação aos arts. 131, 165, 458, 459, 473, 535, I, do Código de Processo Civil; aos arts. 966 e 2031 do Código Civil; aos arts. 1º e 2º da Lei 11.101⁄2005, bem como ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
A irresignação merece acolhida.
Com efeito, a Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.004.910⁄RJ, manejado pela agravante contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de igual teor do aqui combatido, entende pela aplicabilidade da teoria do fato consumado à espécie. São os termos do voto condutor do acórdão, que em tudo se aplica ao presente recurso, verbis:
"De início, não se vislumbra violação aos arts. 165, 458, 459 e 535 do CPC, porquanto as questões submetidas ao Tribunal de origem foram suficiente e adequadamente delineadas, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível.
Nesse contexto, impende ressaltar, em companhia da tradicional doutrina e do maciço entendimento pretoriano, que o julgado apenas se apresenta como omisso quando, sem analisar as questões colocadas sob apreciação judicial, ou mesmo promovendo o necessário debate, deixa, entretanto, num caso ou no outro, de ministrar a solução reclamada, o que não ocorre na espécie.
De outra parte, uma única questão foi apontada como óbice para o prosseguimento da recuperação judicial da recorrente, o fato de ela não se constituir em sociedade empresária, mas em associação civil sem fins lucrativos, detentora de regime tributário especial. Sob esse enfoque, passo a analisar a questão da preclusão.
Nos termos do art. 52 da Lei 11.101⁄05, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial quando julgar em termos a documentação reclamada no art. 51 do mesmo diploma legal. Dentro do extenso rol constante do referido dispositivo está a exigência de apresentação da certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, do ato constitutivo atualizado e das atas de nomeação dos atuais administradores.
Dessa forma, é na fase postulatória que se examina deter a empresa qualificação jurídica necessária para requisição do benefício, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 5ª ed - São Paulo: Saraiva, 2008, p. 153 e 154), verbis:
"Estando em termos a documentação exigida para a instrução da petição inicial, o juiz proferirá o despacho mandando processar a recuperação judicial. Note-se que esse despacho, cujos efeitos são mais amplos que os da distribuição do pedido, não se confunde com a ordem de autuação ou outros despachos de mero expediente. Normalmente, quando a instrução não está completa e a requerente solicita prazo para emendá-la, a petição inicial recebe despacho com ordem de autuação e deferimento do pedido. Estes atos judiciais não produzem nenhum efeito além do relacionado à tramitação do processo. Não se confundem com o despacho de processamento do pedido, que o juiz somente está em condições de proferir quando adequadamente instruída a petição inicial.
O despacho de processamento não se confunde também com a decisão concessiva da recuperação judicial. O pedido de tramitação é acolhido no despacho de processamento, em vista apenas de dois fatores - a legitimidade ativa da parte requerente e a instrução nos termos da lei. Ainda não está definido, porém, que a empresa do devedor é viável e, portanto, ele tem o direito ao benefício. Só a tramitação do processo, ao longo da fase deliberativa, fornecerá os elementos para a concessão da recuperação judicial." (grifo nosso).
Da análise do texto acima transcrito é possível chegar à conclusão de que na fase postulatória é analisada a legitimidade ativa da empresa para a recuperação judicial, enquanto na fase deliberativa é apurada a viabilidade econômica do benefício.
Nesse contexto, os recursos questionando a condição de sociedade empresária da requerente do benefício, bem como a ausência de certidão de sua regularidade junto ao Registro Público de Empresas devem ser tirados contra a decisão que defere o processamento da recuperação judicial. Exemplo disso são as petições recursais acostadas às fls. 269⁄297 dos autos.
Não é por outra razão que a decisão que concede a recuperação judicial sequer faz menção aos requisitos do art. 51 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, cuidando apenas da viabilidade do plano de recuperação.
É de se ver, porém, que as condições da ação constituem matéria de ordem pública e, portanto, passíveis de reconhecimento em qualquer fase do processo.
De outro lado, entende o acórdão recorrido que a recorrente ostenta a qualidade de associação civil sem fins lucrativos, entidade não alcançada pela Lei 11.101⁄05, verbis:
"Da leitura do estatuto da agravada acostado aos autos a fls. 29⁄46, verifica-se sua natureza associativa, uma vez que o art. 1º dispõe ser a mesma "...uma sociedade civil, de caráter filantrópico e beneficente, sem fins lucrativos...", ocorrendo o arquivamento de seus atos constitutivos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
A própria ata da reunião extraordinária objetivando a constituição de sociedades empresárias de responsabilidade limitada, subsidiária integral, com exercício de atividades hospitalares e educacionais, demonstra ausência da natureza empresária da agravada (fls. 95⁄98)." (fls. 237)
Acolher a argumentação da requerente, no sentido de que a realidade fática demonstra que com o incremento de suas atividades teria abandonado a condição de associação sem fins lucrativos para se constituir em sociedade empresária, é questão que refoge ao âmbito do recurso especial, face a necessidade de incursão no conjunto probatório que encerra, o que atrai o óbice da súmula 07⁄STJ.
Também não merece trânsito a afirmativa de que a falta do registro na Junta Comercial não pode ser obstáculo para o deferimento da recuperação, tendo em conta a previsão contida no art. 2031 do Código Civil de 2002, concedendo prazo até 11 de janeiro de 2007 para adaptação dos estatutos às novas disposições legais. O que está em debate é a qualidade de empresária da recorrente quando da apresentação do pedido de recuperação e não a regularidade de seus atos constitutivos, os quais apenas refletem a forma de sua organização jurídica.
Melhor sorte não ampara a requerente no que respeita à pretendida violação ao art. 131 do Código de Processo Civil. Afirma não esclarecer o aresto recorrido qual o motivo de extinção do processo sem resolução de mérito, se a hipótese é a de falta de possibilidade jurídica do pedido, a de ilegitimidade das partes, ou a de ausência de interesse processual. Porém, a redação do aresto é clara no sentido de que a recorrente não ostenta a qualidade de sociedade empresária, de modo a poder usufruir dos benefícios da recuperação judicial, fundamentação suficiente para a elaboração da peça de insurgência.
De mais a mais, a subdivisão das condições da ação em três categorias é objeto de intenso debate doutrinário, havendo situações em que se faz difícil a distinção entre uma e outra, o que, porém, tem significado apenas teórico, pois a conseqüência prática é a mesma, qual seja, a extinção do processo sem resolução de mérito.
Argumenta a recorrente, ainda, com a quebra da unicidade da organização do Ministério Público, pois pela promotora de justiça que atua no processo em primeira instância foram elaborados pareceres sempre favoráveis à recuperação judicial da recorrente, mesmo após o manejo do agravo de instrumento ora questionado, interposto pelo promotor substituto quando das férias da titular.
Deve ser considerado, entretanto, que o Ministério Público goza de prerrogativas funcionais e institucionais constitucionalmente previstas, dentre as quais a de atuar de forma independente, desde que legalmente amparado e fundamentadamente.
Confira-se:
"PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DO ART 535 DO CPC E CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 211⁄STJ. AÇÃO RESCISÓRIA. ATAQUE AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RESCINDENDO. IMPOSSIBILIDADE. FALSA PROVA. DOLO DA PARTE VENCEDORA. ERRO DE FATO. SÚM. 284⁄STF. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO DE CUNHO DECLARATÓRIO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 20 DO CPC. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. omissis
2. Inocorre cerceamento de defesa, porquanto goza o Ministério Público de prerrogativas funcionais e institucionais, dentre as quais, situa-se a independência funcional, consubstanciada no direito do membro do Ministério Público de atuar livre e fundamentadamente, de acordo com a lei e a sua consciência.
3. omissis.
4. omissis.
5. omissis.
6. omissis.
7. omissis.
8. omissis.
9. omissis." (REsp 493.414⁄SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Quarta Turma, julgado em 15.02.2007, DJ 12.03.2007 p. 234)
Dessa forma, não há como concluir pela quebra da unicidade do Ministério Público, mormente se a matéria levada ao crivo da Corte de origem é daquelas que podem ser conhecidas de ofício.
Superadas essas questões, pleiteia a recorrente, com base no princípio da razoabilidade, seja aplicada no caso dos autos a teoria do fato consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais.
Duas ponderações me parecem indispensáveis para apreciação do pedido.
Em primeiro lugar, é de ser destacada a função social da recorrente, entidade que mantém um hospital, um asilo e um colégio, havendo notícia nos autos de que emprega por volta de seiscentas pessoas, disponibiliza à sociedade carioca mais de cem leitos, possui duzentos e setenta alunos matriculados, além de recolher impostos anualmente no montante de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais).
Ademais, o plano de recuperação está em pleno andamento, inclusive com o cumprimento de suas etapas iniciais, asseverando o magistrado de primeiro grau, verbis:
"...no pouco tempo desde o deferimento do processamento da recuperação judicial, em 14.06.2006 (fls. 1026), cuja decisão foi publicada em 07.08.2006 (fls. 1489), a recuperanda já apresenta considerável incremento de suas receitas, mais do que quintuplicadas. A projeção do fluxo de caixa apresentada no plano de recuperação a fls. 1599 está sendo praticamente alcançada, conforme atesta o documento de fls. 2800, demonstrando total viabilidade da atividade econômica exercida, com a superação da crise econômico-financeira."
Nesta conformidade, lembrando ainda que a finalidade maior da recuperação judicial é a preservação da atividade econômica e dos postos de trabalho, creio deva ser aplicada a teoria do fato consumado à espécie, sob pena de extinção da recorrente, entidade fundada há quase oitenta anos.
É, nesta linha de raciocínio, adequado e oportuno o ensinamento de JOSÉ DA SILVA PACHECO, para quem o escopo da Lei 11.101, de 2005, foi "atender os anseios e tendências manifestas na segunda metade do século XX e princípio deste século XXI, no sentido de salvaguardar a empresa, que tem uma função social e, por isso, deve subsistir às crises, em benefício dos que nela trabalham, da comunidade em que atua, dos mercados de fatores de produção e de consumo do local, da Região, do Estado e do País". (A Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas - Lei nº 11.101⁄05 - Forense - 2006 - Coordenador PAULO PENALVA SANTOS - pág. 5).
Cabe realçar, também, agora com apoio na doutrina abalizada do Prof. ARNOLD WALD, que a caracterização de empresa reside no "exercício de uma atividade econômica ... que tenha por fim a criação ou circulação de riquezas, bens ou serviços", estando a idéia de empresa "relacionada com o princípio de economicidade, ou seja com o desenvolvimento de uma atividade capaz de cobrir os próprios custos, ainda que não existam finalidades lucrativas" - fls. 365.
A recorrente, quando da interposição do recurso e não havendo motivo para duvidar de sua afirmativa, contava com leitos ocupados no Hospital Comendador Gomes Lopes e alunos no Colégio Sagres, além de outras atividades, todas elas, ainda segundo a recorrente, remuneradas.
Ante o exposto, conheço do recurso em parte e, nessa extensão, dou-lhe provimento para que prossiga a recuperação judicial da Casa de Portugal."
Ante o exposto, nos termos do art. 544, § 3º, do Código de Processo Civil, conheço do agravo de instrumento e dou parcial provimento ao recurso especial para que prossiga a recuperação judicial da Casa de Portugal." (fls. 1177⁄1182)
Sustenta, em síntese, que a questão não poderia ter sido decidida singularmente, por não se reportar à jurisprudência consolidada nesta Corte. Entende, além disso, que a teoria do fato consumado, por envolver revolvimento de matéria fático-probatória, não pode ser aplicada em sede de recurso especial. Assevera, ademais, não ter sido sua aplicação discutida nas instâncias de origem, carente, portanto de prequestionamento, sem falar na ausência de indicação do dispositivo que teria sido violado nas razões recursais.
Aduz, por outro lado, não ser possível que uma questão de ordem pública, qual seja, a ilegitimidade ad causam, possa se consolidar com o transcurso do tempo, sem que haja malferimento aos princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais. Razão pela qual também não está afeita à aplicação da teoria do fato consumado.
Argumenta, ainda, com a inexistência de situação jurídica consolidada, pois o art. 52 da Lei nº 11.101⁄05, a partir do qual é deferido o pedido de recuperação judicial, prevê ato judicial traduzido em despacho de mero expediente, sendo, nesse contexto, insuficiente para operar efeito preclusivo e, portanto, situação jurídica consolidada.
Questiona, também, a utilidade de recursos à 2ª instância, se posteriormente é ignorada ilegalidade manifesta. Ressalta que a aplicação da teoria do fato consumado à matéria de ordem pública é questão de repercussão geral, nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição Federal, pois estabelece perigoso precedente, além de afastar os dispositivos legais que efetivamente regulam a questão.
Requer, por fim, seja reconhecida a ilegitimidade ativa da Casa de Portugal para usufruir do procedimento da recuperação judicial.
É o relatório.
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.008.393 - RJ (2008⁄0011535-8)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):
De início, a questão foi decidida singularmente por já ter sido apreciada pela 4ª Turma desta Corte, em votação unânime, quando do julgamento do Resp nº 1.004.910⁄RJ.
Naquela ocasião foram apontadas as razões pelas quais se entende pertinente a aplicação da teoria do fato consumado à espécie, verbis:
"Duas ponderações me parecem indispensáveis para apreciação do pedido.
Em primeiro lugar, é de ser destacada a função social da recorrente, entidade que mantém um hospital, um asilo e um colégio, havendo notícia nos autos de que emprega por volta de seiscentas pessoas, disponibiliza à sociedade carioca mais de cem leitos, possui duzentos e setenta alunos matriculados, além de recolher impostos anualmente no montante de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais).
Ademais, o plano de recuperação está em pleno andamento, inclusive com o cumprimento de suas etapas iniciais, asseverando o magistrado de primeiro grau, verbis:
"...no pouco tempo desde o deferimento do processamento da recuperação judicial, em 14.06.2006 (fls. 1026), cuja decisão foi publicada em 07.08.2006 (fls. 1489), a recuperanda já apresenta considerável incremento de suas receitas, mais do que quintuplicadas. A projeção do fluxo de caixa apresentada no plano de recuperação a fls. 1599 está sendo praticamente alcançada, conforme atesta o documento de fls. 2800, demonstrando total viabilidade da atividade econômica exercida, com a superação da crise econômico-financeira."
Nesta conformidade, lembrando ainda que a finalidade maior da recuperação judicial é a preservação da atividade econômica e dos postos de trabalho, creio deva ser aplicada a teoria do fato consumado à espécie, sob pena de extinção da recorrente, entidade fundada há quase oitenta anos.
É, nesta linha de raciocínio, adequado e oportuno o ensinamento de JOSÉ DA SILVA PACHECO, para quem o escopo da Lei 11.101, de 2005, foi "atender os anseios e tendências manifestas na segunda metade do século XX e princípio deste século XXI, no sentido de salvaguardar a empresa, que tem uma função social e, por isso, deve subsistir às crises, em benefício dos que nela trabalham, da comunidade em que atua, dos mercados de fatores de produção e de consumo do local, da Região, do Estado e do País". (A Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas - Lei nº 11.101⁄05 - Forense - 2006 - Coordenador PAULO PENALVA SANTOS - pág. 5).
Cabe realçar, também, agora com apoio na doutrina abalizada do Prof. ARNOLD WALD, que a caracterização de empresa reside no "exercício de uma atividade econômica ... que tenha por fim a criação ou circulação de riquezas, bens ou serviços", estando a idéia de empresa "relacionada com o princípio de economicidade, ou seja com o desenvolvimento de uma atividade capaz de cobrir os próprios custos, ainda que não existam finalidades lucrativas" - fls. 365.
A recorrente, quando da interposição do recurso e não havendo motivo para duvidar de sua afirmativa, contava com leitos ocupados no Hospital Comendador Gomes Lopes e alunos no Colégio Sagres, além de outras atividades, todas elas, ainda segundo a recorrente, remuneradas."
Apesar dos judiciosos argumentos trazidos pela agravante, creio não serem suficientes para afastar as conclusões anteriormente adotadas.
No mais, refoge à competência deste STJ, a quem a Carta Política (art. 105, III) confia a tarefa de unificação do direito federal, apreciar violação de dispositivo constitucional.
Agravo regimental desprovido.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
AgRg no
Número Registro: 2008⁄0011535-8 Ag 1008393 ⁄ RJ
Números Origem: 200700203646 200713511680 200713713837
EM MESA JULGADO: 05⁄08⁄2008
Relator
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO
Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
AUTUAÇÃO
AGRAVANTE : CASA DE PORTUGAL - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADO : DAVID FREITAS LEVY E OUTRO(S)
AGRAVADO : NKB RIO S⁄A
ADVOGADO : GUILHERME VIEIRA ASSUNÇÃO E OUTRO(S)
ASSUNTO: Comercial - Lei n.º 11.101⁄05 - Recuperação Judicial
AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : NKB RIO S⁄A
ADVOGADO : GUILHERME VIEIRA ASSUNÇÃO E OUTRO(S)
AGRAVADO : CASA DE PORTUGAL - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADO : DAVID FREITAS LEVY E OUTRO(S)
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 05 de agosto de 2008
CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária