Bruno Oliveira Castro Cristiano Imhof

LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA INTERPRETADO

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As "travas bancárias" e a recuperação judicial

Data: 20/08/2009

Uma das questões que mais têm suscitado debates e divergências na aplicação da nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, são as denominadas "travas bancárias".

Advogados de empresas em recuperação judicial, estão buscando estratégias jurídicas na tentativa de derrubar o que passou a ser chamado de "trava bancária", mecanismo pelo qual os bancos, em alguns casos, ficam de fora do rol de credores com créditos suspensos com a concessão da recuperação pelo Judiciário, nos casos de empréstimos concedidos por meio de alienação fiduciária ou cessão fiduciária de recebíveis futuros.

A atual Lei de Recuperação de Empresas, estabelece, em seu artigo 49, que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, a ela estão sujeitos, ainda que tais créditos não tenham vencido. Em seguida, elenca as exceções a essa regra, nos seus parágrafos 3º e 4º, mas não deixa claro ou não fez constar expressamente do texto legal, o crédito do credor fiduciário.

Para se ter uma idéia da enorme dissensão de interpretação, os Tribunais de Justiça do Espírito Santo, do Mato Grosso e, recentemente, de Minas Gerais, têm incluído estes contratos bancários nos créditos sujeitos à recuperação judicial, enquanto os Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná têm sido predominantemente favoráveis aos bancos.

Como visto, a questão das garantias com os recebíveis é extremamente polêmica e decisiva para a manutenção das empresas, especialmente as de pequeno e médio porte.

Nas próximas sextas-feiras, passarei a analisar as estratégias adotadas pelos advogados na tentativa de derrubar as "travas bancárias", como também as decisões até aqui prolatadas pelos Tribunais dos Estados, já que a discussão deve, em breve, chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quem compete uniformizar a interpretação infraconstitucional.

Assista o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=q7XtoBzCOLk

Abaixo, uma decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

Acórdão: Agravo de Instrumento n. 472.508-8, de Curitiba.
Relator: Des. Ruy Muggiati.
Data da decisão: 27.08.2008.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 472.508-8, DA COMARCA DE REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS.
AGRAVANTE: BANCO SAFRA S.A.
AGRAVADA: ZEN COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP
RELATOR: Desembargador RUY MUGGIATI

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS - RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO - PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO REPELIDA - CRÉDITO QUE NÃO SE SUBMETE AO PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 49, § 3º DA LEI Nº 11.101/2005 - RETENÇÃO DOS VALORES PELO CESSIONÁRIO NO PERCENTUAL PACTUADO - POSSIBILIDADE - DECISÃO REFORMADA. 1. Se as questões postas pela parte foram objeto de exame na decisão, expondo o juiz, clara e objetivamente, as razões de seu convencimento, em estrita observância ao art. 93, inc. IX da Constituição Federal, não se pode cogitar de nulidade por ausência de fundamentação. 2. O crédito garantido por negócio fiduciário, especificamente, cessão fiduciária de direitos creditórios não se submete ao procedimento de recuperação judicial da empresa devedora, por expressa previsão legal (art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/05). 3. Recurso conhecido e provido.

1. RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto pelo Banco Safra S.A, impugnando decisão de fls. 24/25 (TJ), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública e Concordatas da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, que em autos de ação de recuperação judicial, sob nº 260/2007, ajuizada pela agravada, determinou que o agravante, com fulcro no art. 49, parágrafo 5º, da Lei nº 11.101/05, se "abstenha de bloquear em conta corrente quaisquer valores devidos por força da Cédula de Crédito nº 445.625-9", bem como que "deposite, no prazo de cinco dias, em conta vinculada a este Juízo todos os valores já bloqueados em razão do adimplemento da referida Cédula, desde a data do processamento desta recuperação judicial", sob pena de multa diária no valor de R$ 2.500,00, em caso de descumprimento.

Sustenta o agravante, em síntese, que: a) emitiu cédula de crédito bancário sob nº 445.625-9, no valor de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais), com vencimento em 16 de novembro de 2009, em favor da empresa agravada, que cedeu, através de Instrumento Particular de Cessão Fiduciária em Garantia de Direitos Créditórios, a propriedade sobre os direitos de crédito que possuía referente as vendas realizadas na modalidade de cartão de crédito; b) referida operação está garantida por cessão fiduciária de direitos creditórios, pelo que aludido crédito não se submete ao processo da recuperação judicial, ao teor do art. 49, § 3ª, da Lei nº 11.101/05, porquanto é detentor da posição de proprietário fiduciário; c) a decisão agravada é equivocada, pois tomou por base despacho exarado em processo diverso (Ai nº 463.773-6), desprezando o contrato celebrado; d) a decisão agravada é nula por ausência de fundamentação,"já que mera reproduções de decisões sem sua devida contextualização, impossibilitam a compreensão e convencimento do magistrado" (sic. f. 19); e f) o valor arbitrado a título de multa se mostra exarcebado. Requer o conhecimento e provimento do recurso, para que seja reconhecida a nulidade da decisão por falta de fundamentação, bem como a não submissão do seu crédito ao processo de recuperação judicial.
O recurso veio acompanhado dos documentos de fls. 23/84.

Ao recurso não foi atribuído o almejado efeito suspensivo (fls. 91/93). O MM. Juiz a quo informou que a decisão atacada foi mantida em sede de Juízo de retratação (fls. 106/107).

Contra-razões apresentadas (fls. 98/101).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso (fls. 515/516).

2. VOTO E SEUS FUNDAMENTOS

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Da preliminar de nulidade da decisão

Inicialmente, cumpre afastar a preliminar de nulidade da decisão estribada na ausência de fundamentação, porque o juiz singular examinou a matéria fática e jurídica explanada nos autos à luz da Lei nº 11.101/2005, expondo, claramente, suas razões de convencimento, em estrita observância aos arts. 93, inc. IX, da Constituição Federal e 165 do Código de Processo Civil.

Repelida a preliminar, passo ao exame do mérito recursal.

Do mérito

Sustenta o agravante que seu crédito é garantido por cessão fiduciária de direitos creditórios (direito real em garantia) e não por penhor (direito real de garantia), portanto citado crédito encontra-se excluído dos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005.

Com efeito, segundo os autores Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe "na cessão fiduciária há uma transferência de direitos (crédito) ao financiador, cuja titularidade adquire como credor cessionário" (Garantia Fiduciária, 3ª ed. Revista, Atualizada e Ampliada, p. 117, São Paulo: RT, 2000), para fins de garantia de cobrança ou mesmo de compensação.

No caso vertente, o banco agravante emitiu cédula de crédito bancário sob nº 445.625-9, no valor de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais), na data de 16 de maio de 2005, com vencimento em 16 de novembro de 2009 (fls. 73/74), em favor da agravada, a ser paga em 30 (trinta) parcelas mensais, no importe de R$ 9.163,89 (nove mil, cento e oitenta e três reais e noventa e nove centavos).

Referido empréstimo foi lastreado pela garantia pactuada no "Instrumento Particular de Cessão Fiduciária em Garantia de Direitos Créditórios - Cartão de Crédito/Débito", no qual a agravada cedeu a propriedade dos direitos creditórios ao agravante, referente as vendas realizadas na modalidade de cartão de crédito, no limite do percentual de 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da operação garantida (fls. 53/54). Veja-se, o teor das cláusulas atinentes à propriedade dos bens:

"O cedente cede fiduciariamente ao SAFRA, neste ato, a propriedade e titulariedade dos bens, inclusive a posse direta e indireta dos mesmos" (quadro VII - 1, f. 76) "Na qualidade de credor fiduciário, poderá o SAFRA exercer sobre os bens ora cedidos fiduciariamente, os direitos discriminados no artigo 66-B da Lei nº 10.931/04, no Decreto 911/69 e nos artigos 18 a 20 da Lei 9514/97, inclusive os direitos de: (i) consolidar em si a propriedade plena dos bens no caso de execução da presente garantia; (ii) conservar e recuperar a posse dos bens, bem como dos instrumentos que os representam, contra qualquer detentor, inclusive o próprio cedente; (iii) promover a intimação dos devedores para que não paguem ao CEDENTE, enquanto durar a cessão fiduciária (...)" (cláusula terceira, f. 77).

Ora, como se vê, a instituição financeira agravante enquadra-se na posição de proprietário fiduciário, porquanto é titular da propriedade resolúvel do crédito cedido no instrumento particular de cessão fiduciária. Tem-se, assim, que mencionado crédito integra o seu patrimônio, pelo que resta afastada, na espécie, a figura do crédito garantido por penhor (art. 49, § 5º da Lei nº 11.101/2005).
Definida a natureza jurídica da garantia do crédito do agravante, insta salientar que o art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005 dispõe que: "Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, (...), seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada legislação respectiva".

A propósito, colhe-se da doutrina de Fabio Ulhoa Coelho:

"Também estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial o fiduciário, o arrendador mercantil ou o negociante de imóvel (como vendedor, compromitente vendedor ou titular de reserva de domínio) se houver cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade no contrato(...) Esses credores excluídos dos efeitos da recuperação judicial não são minimamente atingidos pela medida, e podem continuar exercendo seus direitos reais e contratuais nos termos da lei própria. Os fundamentos para a exclusão de cada categoria de credor dos efeitos da recuperação judicial variam. Os credores posteriores à distribuição do pedido estão excluídos porque, se assim não fosse, o devedor não conseguiria mais acesso nenhum a crédito comercial ou bancário, inviabilizando-se o objetivo da recuperação. Os titulares de determinadas garantias reais ou posições financeiras (fiduciário, leasing etc.) e os bancos que anteciparam recursos ao exportador em função de contrato de câmbio excluem-se dos efeitos da recuperação judicial para que possam praticar juros menores (com spreads não impactados pelo risco associado a recuperação judicial), contribuindo a lei, desse modo, com a criação do ambiente propício à retomada do desenvolvimento econômico" (Comentários a Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 4ª Ed. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.131).

Dessa forma, como o crédito do agravante é garantido por negócio fiduciário, inexiste irregularidade na retenção pelo cessionário dos valores recebíveis a título de vendas na modalidade de cartão de crédito na forma pactuada, uma vez que tal crédito não se submete ao processo da recuperação judicial, ao teor do citado dispositivo.

Nesse sentido:

"Recuperação Judicial. Credores com garantia fiduciária e pignoratícia incidente sobre créditos, títulos e investimentos. Não sujeição ao procedimento. Determinação de deposito das quantias devidas em conta-vinculada de banco estatal. Manutenção. Obtenção do numerário pelo recuperando inviável. Possibilidade de substituição da garantia, aquiescendo o credor. Recurso desprovido. (TJ/SP, AI nº 541.816-4/4-00, Câm. de Direito Privado, Rel. Des. José Aroldo da Costa Teles, j. 07.05.08).

Entretanto, não se pode olvidar que o negócio jurídico fiduciário celebrado entre as partes limita a retenção dos valores pelo agravante ao percentual de 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da operação garantida. Desta feita, o agravante tem direito a bloquear em conta corrente os recebíveis em questão no patamar contratado, sujeitando-se os valores remanescentes, se houver, ao plano de recuperação judicial.

Situação análoga já foi apreciada pela Décima Sétima Câmara Cível desta Corte, com acórdão lavrado pelo e. Des. Vicente Del Prete Misurelli, confira-se:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS CREDITÓRIOS RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. SUBMISSÃO DO CRÉDITO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO." (Ac. nº 9608, j. 16.07.08).

Em arremate, no tocante ao prazo de 180 dias a que se refere o art. 6, § 4º da Lei nº 11.110/2005, no qual resta assegurada a posse dos bens dados em garantia à devedora, não incide na hipótese, pois não se trata de bens essenciais ao desempenho das suas atividades empresariais.

Diante do exposto, proponho que seja conhecido e dado provimento ao recurso, a fim de afastar o crédito do agravante dos efeitos da recuperação judicial, observado o percentual previsto no negócio fiduciário entabulado entre as partes litigantes, correspondente ao valor da garantia (12% sobre o saldo devedor atualizado da operação garantida).

3. ACORDAM os Senhores Magistrados integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador CARLOS MANSUR ARIDA (com voto), dele participando o Senhor Juiz Convocado LUIS ESPÍNDOLA.

Curitiba, 27 de agosto de 2008.

RUY MUGGIATI
Relator

 

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