FÁBIO ULHOA COELHO, in Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (4ª ed.; São Paulo: Saraiva, 2007, p. 18, 208), ensina que o sócio da sociedade limitada responde apenas em duas hipóteses:
"Na primeira, quando participar de deliberação social infringente da lei ou do contrato social (CC, art. 1.080). É caso de responsabilidade por ato ilícito, em que não há nenhuma limitação. (...).
Na segunda, o sócio responde solidariamente com os demais pela integralização do capital social (CC, art. 1052). Aqui, a responsabilidade independe de ilícito, se o contrato social contempla cláusula estabelecendo que o capital subscrito ainda não está totalmente integralizado, a massa falida pode demandar a integralização de qualquer dos sócios. (...).
O administrador da sociedade limitada, por sua vez, responde quando descumprir o dever de diligência (CC, art. 1.011) e prejudicar, com isso, a sociedade. Não existe hipótese de responsabilidade objetiva do administrador da limitada. (...)".
E ainda ressalta que:
"Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresarial não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (...). As regras que são aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária - é muito importante levar isso em conta na interpretação e aplicação das normas do Direito Comercial, inclusive, as da nova lei de falências".
Acórdão: Agravo de Instrumento n.0496243-4, de Santo Antônio da Platina.
Relator: Des. Shiroshi Yendo.
Data da decisão: 06.08.2008.
DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0496243-4
VARA CÍVEL E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DA PLATINA
AGRAVANTES: ANTONIO DE FÁTIMA MOURÃO DA
SILVA E OUTRA
AGRAVADO: HSBC BANK BRASIL S/A - BANCO
MÚLTIPLO
RELATOR: DES. SHIROSHI YENDO
EMENTA: AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE. PESSOA FÍSICA. DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. REQUERIMENTO DE SUSPENSÃO DE TODAS AS AÇÕES EXISTENTES CONTRA A FALIDA E SEUS SÓCIOS. IMPOSSIBILIDADE. CAPITAL TOTALMENTE INTEGRALIZADO. SÓCIOS GERENTES E NÃO SOLIDÁRIOS. 1. " Sócio solidário, no contexto da lei falimentar, é considerado como sendo aquele que responde pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Tal modalidade de sócio inexiste nas sociedade por quotas de responsabilidade limitada (salvo a excepcional situação do art. 9º do Dec. 3.708/19), nas quais o sócio gerente não tem responsabilidade especial, mas tão-somente a função de representação do ente abstrato que é a pessoa jurídica da sociedade". 1 RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n.º 0496243-4, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Santo Antônio da Platina, em que figuram como agravantes ANTONIO DE FÁTIMA MOURÃO DA SILVA E VILMARI SALVADOR DA SILVA e como agravado HSBC BANK BRASIL S/A - BANCO MÚLTIPLO.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Cível e Anexos da Comarca de Santo Antônio da Platina, nos autos nº 950/2007 de Ação Monitória, ajuizada pelo ora agravado HSBC BANK BRASIL S/A - BANCO MÚLTIPLO em face dos ora agravantes ANTONIO DE FÁTIMA MOURÃO DA SILVA E VILMARI SALVADOR DA SILVA.
O Juízo recorrido (fls. 49 e 49-v-TJ) deixou de acolher o pedido dos ora agravantes para que fosse declarada a nulidade da citação em razão da decretação da falência da empresa Pneucam Comércio de Pneus e Câmaras Ltda., por entender que a presente ação se refere a contrato firmado pelos requeridos e não pela empresa falida.
Sustentam, os agravantes, em síntese, que: a) são sócios da empresa Pneucam Comércio de Pneus e Câmaras Ltda.; b) foi decretada a falência da referida sociedade em 20/11/2007, nos autos nº 209/2007; c) com a decretação da quebra, ficam suspensas todas as ações ou execuções contra o falido e os sócios solidários, nos termos do art. 6º da Lei de Falências; d) a citação dos réus é nula de pleno direito, tendo em vista que ocorreu em 21/11/2007, após o decreto falimentar, pelo que requerem a suspensão da presente ação.
Por fim, requereram os agravantes o conhecimento e provimento do presente recurso.
Informações prestadas pelo Juízo singular com a manutenção da decisão recorrida às fls. 68-TJ.
Não foram apresentadas contra-razões recursais, conforme certidão de fls. 69-TJ.
É, em síntese, o relatório.
VOTO E SEUS FUNDAMENTOS
Presentes os requisitos de admissibilidade, como a adequação, a tempestividade e o preparo (fls. 51/54-TJ), admito o processamento do recurso.
Quanto ao mérito o recurso não comporta provimento.
Sobre a suspensão do processo a magistrada singular entendeu que:
" 1 - Devidamente citados (fls. 199-v), os requeridos peticionaram pela declaração de nulidade de citação tendo em vista o fato de serem proprietários da empresa Pneucam Comércio de Pneus e Câmaras Ltda., a qual foi decretada falida, o que leva à suspensão de todas as ações e execuções contra esta (fls. 200/201).
O requerente se manifestou às fls. 226, aduzindo que o contrato objeto da presente ação refere-se a conta corrente particular dos devedores, não sofrendo efeitos da falência da empresa.
É o sucinto relatório. Decido.
Aduziram os requeridos que a decretação da falência da empresa de sua propriedade gerou a suspensão de todas as ações e execuções contra a mesma.
Ocorre que há razão com o requerente, haja vista que a presente ação refere-se ao " Contrato de Abertura de Conta Corrente - Pessoa Física", " Termo de Opção" e " Contrato Global de Relacionamento Comercial e Financeiro", todos correspondentes aos requeridos, e não à empresa falida.
Sendo assim, deixo de acolher o pedido de fls. 200/201."
De fato, observa-se que se trata de quebra de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, sendo que " a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social " (Art. 1.052 CC).
Da análise da 10ª Alteração de Contrato Social (fls.30/31-TJ), denota-se que a empresa Pneucam Comércio de Pneus e Câmaras Ltda. funcionava como sociedade por cotas de responsabilidade limitada, tendo seus sócios integralizado totalmente o capital social da companhia.
Portanto, existe a obrigatoriedade legal de suspensão das ações apenas em relação à empresa falida, não podendo referida suspensão se estender aos sócios cotistas, vez que os mesmos não são sócios solidários.
FÁBIO ULHOA COELHO 2, in Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, ensina que o sócio da sociedade limitada responde apenas em duas hipóteses:
" Na primeira, quando participar de deliberação social infringente da lei ou do contrato social (CC, art. 1.080). É caso de responsabilidade por ato ilícito, em que não há nenhuma limitação. (...)
Na segunda, o sócio responde solidariamente com os demais pela integralização do capital social (CC, art. 1052). Aqui, a responsabilidade independe de ilícito, se o contrato social contempla cláusula estabelecendo que o capital subscrito ainda não está totalmente integralizado, a massa falida pode demandar a integralização de qualquer dos sócios. (...)
O administrador da sociedade limitada, por sua vez, responde quando descumprir o dever de diligência (CC, art. 1.011) e prejudicar, com isso, a sociedade. Não existe hipótese de responsabilidade objetiva do administrador da limitada. (...)"
E ainda ressalta que:
"Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresarial não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (...). As regras que são aplicáveis ao empresário individual não se aplicam aos sócios da sociedade empresária - é muito importante levar isso em conta na interpretação e aplicação das normas do Direito Comercial, inclusive, as da nova lei de falências.".
Desta forma, verifica-se que a dívida pessoal contraída pelo sócio de empresa por cotas de responsabilidade limitada, cuja falência foi decretada, não pode ser confundida com o débito da massa falida.
Este é o posicionamento deste Corte, bem do extinto Tribunal de Alçada:
" AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR DE ARRESTO E DE EXECUÇÃO. FALÊNCIA DE UM DOS CO-EXECUTADOS. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. DEVEDORES SOLIDÁRIOS. DESNECESSIDADE DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS CO-EXECUTADOS. RECURSO PROVIDO."
(TJPR, 16ª Câmara Cível, AI nº 0385019-9, Rel. Juiz Convocado Francisco Luiz Macedo Junior, j. em 02/04/2008, DJ 7597).
" APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO MONITÓRIA COM BASE EM CHEQUES PRESCRITOS, EMITIDOS POR SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA FALIDA - A DÍVIDA PESSOAL CONTRAÍDA PELO SÓCIO DE EMPRESA POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, QUE SOFREU DECRETO DE QUEBRA, NÃO SE CONFUNDE COM O DA MASSA FALIDA - INAPLICÁVEL O DISPOSTO NO ART. 24 DA LEI DE FALÊNCIA- CERCEAMENTO DE DEFESA - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - INOCORRÊNCIA - JUROS DE MORA LEGAIS NA BASE DE 6% AO ANO A PARTIR DA CITAÇÃO- RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJPR, 8ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 1.0133157-7, Rel. Des Celso Rotoli de Macedo, j. em 05/05/2003, DJ 6371).
" AGRAVO DE INSTRUMENTO DECISÃO QUE DECLARA FALÊNCIA FUNDAMENTO NÃO ANALISADO SEGUIMENTO DO AGRAVO POSSIBILITADO PELO ACÓRDÃO Nº 8620 SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA CAPITAL INTEIRAMENTE INTEGRALIZADO SÓCIOS NÃO SOLIDÁRIOS, SOMENTE COTISTAS RECONHECIMENTO RECURSO CONHECIDO E PROVIDO DECISÃO UNÂNIME."
(TJPR, 6ª Câmara Cível, AI nº 1.0117999-5, Rel. Des. Paulo Roberto Hapner, j. em 06/11/2002, DJ 6256).
" EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. FALÊNCIA. AVALISTA. SOLIDARIEDADE INEXISTENTE, EM TESE.
Sócio cotista, executado como avalista, não pode ser enquadrado, em tese, como sócio solidário nos termos do art. 24 da Lei de Falência, para fins de suspensão da execução promovida contra ele, salvo se praticou ato com excesso de poderes ou infração da lei, do contrato social ou dos estatutos.
Recurso provido."
(TAPR- extinto, 4ª Câmara Cível, AI nº 3.0136079-0, Rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho, j. em 14/06/2000, DJ 5691).
" SÓCIO GERENTE DE SOCIEDADE FALIDA - NÃO ENQUADRAMENTO NA CATEGORIA DE SÓCIO SOLIDÁRIO - IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO PROMOVIDA CONTRA O MESMO EM FACE DE OBRIGAÇÃO PESSOAL - INAPLICABILIDADE DO ART. 24 DO DECRETO-LEI 7.661/45 - RECURSO PROVIDO.
Sócio solidário, no contexto da lei falimentar, é considerado como sendo aquele que responde pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Tal modalidade de sócio inexiste nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada (salvo a excepcional situação do art. 9º do Dec. 3.708/19), nas quais o sócio gerente não tem responsabilidade especial, mas tão-somente a função de representação do ente abstrato que é a pessoa jurídica da sociedade.
(TAPR- extinto, 2ª Câmara Cível, AI nº 3.0124852-8, Rel. Juiz Fernando Vidal de Oliveira, j. em 18/08/1999, DJ 5466).
E do corpo do referido acórdão, vale destacar:
" De fato, sócio solidário, no contexto da lei falimentar, é considerado como sendo aquele que responde pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Tal modalidade de sócio inexiste nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, nas quais o sócio gerente não tem responsabilidade especial, mas tão-somente a função de representação do ente abstrato que é a pessoa jurídica da sociedade."
Vale citar, ainda, a doutrina de Celso Marcelo de Oliveira 3, em Comentários à Nova Lei de Falências, no sentido de que:
" Pela Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, a decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderão exercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável na forma que esta lei prescrever. (...)".
Pode-se concluir, portanto, que a redação do art. 6º da Lei nº 11.101/2005 ao estabelecer que " A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário ", não quis se referir ao sócio cotista da empresa falida, mas sim ao sócio ilimitadamente responsável ou ao sócio que não tenha integralizado o capital social ou tenha praticado ato com excesso de poderes ou infração da lei ou do contrato social, conforme antes mencionado.
Por sua vez, o art. 99 da mesma Lei disciplina que:
" Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
(...)
V - ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º desta Lei."
Por tais motivos, deve ser mantida a decisão recorrida, considerando que os agravantes são sócios cotistas da empresa por quotas de responsabilidade limitada e que inexiste solidariedade entre os mesmos e a massa falida, não havendo que se falar em suspensão da presente ação em razão do decreto falimentar, ficando, em conseqüência, prejudicada a análise da questão relativa à nulidade da citação dos requeridos.
VOTO
Do exposto, propõe-se que o recurso de agravo de instrumento seja conhecido, e, no mérito, seja desprovido, mantendo-se a decisão recorrida, nos termos do voto Relator.
DISPOSITIVO
Posto isso, acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso, e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento os Desembargadores PAULO CEZAR BELLIO (Presidente sem voto), LIDIA MAEJIMA e o Juiz Convocado FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA.
Curitiba, 06 de agosto de 2008.
SHIROSHI YENDO
Relator
1 TAPR-extinto, 2ª Câmara Cível, AI nº 3.0124852-8, Rel. Fernando Vidal de Oliveira, DJ 5466
2 4ª ed.; São Paulo: Saraiva, 2007, p. 18, 208
3 São Paulo: IOB Thompson, 2005, p. 464, 465.